sábado, 22 de maio de 2010

O CANCELO DE RIO MAIOR

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Diz a sabedoria popular que as coisas tal como estão, nem sempre foram assim e, durante os séculos, a mão humana mudou as paisagens e a natureza fez o resto. Dizer que a ribeira que nos banha teve sempre este percurso é como divagar no tempo pois houve quem dissesse que este passava por S. Paio de Oleiros e isso não é o que acontece nos dias de hoje. Dizem as vozes populares que no século (XVII), XVIII, devido à iniciativa fabril de alguns Brandoenses e Lamacences, em convénio mudaram o curso da ribeira, deixando estarrecidos os seus vizinhos, com tal iniciativa.
Quem gostar de História e seguir atentamente os mapas de outrora repara que a ribeira de Rio Maior servia de fronteira com 3 freguesias: Oleiros, Lamas e Gondezende, e o que na actualidade deixou de ser totalmente correcto, pois a ribeira atravessa Lamas, a terra de Paços de Brandão e entra por Gondezende, deixando somente como fronteira nos fundos do Zabumba, deixando a sua importância de delimitação perder o peso que tinha. Então como aparece o Cancelo de Rio Maior? Lá para a frente vou lá citar esse mesmo Cancelo que ficava em Mozelos e Oleiros, servindo de fronteira a essas duas freguesias.
Todos rios vão ter ao mar, mas o nosso, talvez por fidalguia de antanho, entra numa antecâmara do mar - a barrinha! Para os estudiosos, o nosso rio era uma ribeira, pois não era navegável, é um rivolo, chamado Maior, e nasce de limitadas fontes, parte na freguesia de Mozelos, parte na freguesia de Lourosa, a um quarto de légua antes de cá chegar, onde entra nesta freguesia, no lugar de Rio Maior.
“O Rio Maior nasce na freguesia de Lourosa no sitio das fontes do lugar do Giestal, Prezas do Cobelo e Lavandeira, que se ajuntam com a fonte do Campo da Ponte do Lugar de Além, que vão sair ao Lugar do Bôco e ao de Vila Verde, todas da freguesia de Lourosa; a este se ajuntam vários regatos a saber: o rio chamado de Prime, que principia no lugar de Goela, da freguesia de Mozelos, outro do lugar de Ermolhe e outro do lugar da Vergada desta mesma freguesia que fica pelo norte da freguesia de Lourosa, que se ajuntam a vários que vêm do lugar dos Sobrais, desta mesma freguesia, que se ajuntam ao rio das Azenhas das Ribeiras do Murado, da freguesia de Mozelos, que todos à freguesia de Lamas, aonde se ajuntam e aqui tem o nome de Rio Lamas.” (memórias paroquiais de 1755, abade de Paramos).
“Na maior parte do ano tem caudal quase seco por isso tem pouca agua corrente, mas no Inverno devido às chuvas torna-se escorreito, alimentando os moinhos junto às suas margens, tanto as noras particulares (moinhos de moagem de farinha) bem como as roldanas das papeleiras, sendo um enorme aditivo na ajuda às populações.
Este rivolo é de curso, parte arrebatado, parte sereno, correndo de Nascente a Poente; tem açudes para moinhos e em todas as freguesias por onde passa toma o nome dessas freguesias, à excepção do curso em Paços de Brandão, onde tem o nome de Rio Maior, cria alguns peixes como são trutas, bogas e escalos. No distrito desta freguesia tem duas pontes, ambas de tosca pedra, uma é no lugar de Rio Maior, outra é no lugar do Candal; para memória dos povos diz a lenda que havia uma pequenina a poente no lugar do Alto de Rio Maior feita de madeira rudimentar que atravessava uma ribeirinha de nome Soustela que entra aí no dito Maior, que tinha uma rude corrente e tornava-se volumoso de águas em tempos de invernia, tendo uma particularidade de ser fechada por pequeno cancelo entre Mozelos e S. P. Oleiros, onde se diz que foi de disputa entre populações, sem nunca se saber ao certo de quem era pertença… com o desvio no século XX devido à cedência dos terrenos para a construção do caminho de ferro, a ribeira foi desviada e deixou de confinar com o dito rio, entrando neste somente no fundo do lugar do Candal, perdendo por isso a sua importância, resistindo somente nos dias de hoje as pedras que serviam de ancoradouro às amarras do dito cancelo.
Na verdade, o dito Rio Maior era alimentado à entrada desta terra por três regatinhos, derivando de fontes ou minas perenes. Seus nomes recordam: “agriões“, que serviam para a alimentação e que se situava no Monte de Baixo, “o Lodeiro famoso pelas suas lamas curativas e “os pepinos“ que se situava no lugar do Zambumba, onde existia alguma fartura em peixe e lugarejo lúdico em verdura. Quem não se recorda do rio-das-pedras que levava a água ao Passal, atravessava a Lavoura e lá no fundo entrava no Rio Maior, atravessando os campos verdes da Almoinha? O do Corgo, que atravessava os campos do Palaciolo e ia alimentar o tanque da Laranjeira, seguindo o seu caminho em direcção do lago das Águas Sujas, torvelinho morria lá nos fundos do Engenho Novo? Estes fios de água iam todos morrer no leito do nosso RIO, que lá por serem humildes, não podem ficar no esquecimento.
Um Rio Maior pressupõe pelo menos um rio menor? É o equilíbrio na natureza e a razão de ser da beleza que se exprime em variedade, pois só esta quebra a monotonia... o rio menor ou menores tinha por toponímia os legados nomes de: Abelheira ou Barroso.

A LENDA

A lenda do Cancelo advém aos tempos remotos da Mourisca, dizendo as escritas que este segredou um amor impossível, existente um jovem neocristão e uma moura do lugar de Rio Maior, que se encontravam nesta dita poente, em noites de lua cheia, até ao dia em que foram descobertos e desterrados ao degredo pelas respectivas famílias. O pai da jovem moura, dono das ditas terras onde corria a ribeira, mandou construir um cancelo, proibindo que as gentes dos lugares vizinhos entrassem na ponte. O jovem cristão que nutria pela jovem moura um amor verdadeiro, vendo-se renegado, atou-se ao dito cancelo, fazendo o cumprimento de morrer por amor à dita amada, aí ficou durante muitos dias, até que ajudado pelos irmãos e amigos da jovem moura, foi solto e ajudado na fuga de ambos para bem longe daí. O pai da jovem destruiu a ponte mas o dito cancelo permaneceu por muitos anos, até ser destruído durante a reconquista cristã. Uma nova ponte seria construída no local e do dito cancelo perdeu-se pelos séculos, restando a memória pela boca dos populares da sua existência ou ficção. Do jovem nada se sabe, que a ser verdade teve um final feliz, se foi ficção tornou-se lenda.

(na imagem de baixo o que resta do Cancelo)

Bardo da Lira

4 comentários:

  1. Falar do nosso Rio Maior.
    Ser bairrista é ser ” tolo”como já ouvi alguém dizer. Quando leio ou ouço falar do nosso Rio, sinto alguma emoção. Para mim é recordar bons tempos, uma infância e juventude passada com muita cumplicidade com o Rio Maior.
    Os jovens de hoje não tiveram o prazer de nadarem nas águas limpas do nosso Rio. Recordo-me de termos que fugir do Ti Manél Capela, quando nadava-mos no açude, ali por trás do posto Médico. Havia um campo de milho e ai de nós se o Ti Manél aparecesse. Era correr de roupa na mão e muitas vezes mesmo nus.
    No Zabumba, era a nossa liberdade total. Pendurados nos galhos dos Choupos e das Austrálias, éramos autênticos”Tarzas”em Paços de Brandão. No entanto, havia muito mais prazer, relacionado com o Rio. Muitas Enguias se pescaram por lá. Ia á noite com os amigos montar armadilhas no Rio e no dia seguinte, era cada Enguia…
    Isto a propósito, de que realmente as coisas nem sempre foram assim. Conheço o texto, O Cancelo do Rio Maior, apenas quero recordar outra vida passada com o Rio. Para o amigo Bardo da Lira, um abraço de amizade.
    AA

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  2. Amigo Bardo da Lira,

    Não lhe vou dizer que gostei muito ou pouco do "CANCELO DE RIO MAIOR", é de louvar que se contem as «Lendas» das nossas terras, contudo, temos que ter o cuidado de não as misturar com dados históricos, e, quando se relacionarem tais factos, deve-se ter o cuidado de eles serem o mais exactos possível. Vem isto a propósito de o meu amigo, logo no primeiro parágrafo fazer referência ao seguinte: «...Dizem as vozes populares que no século XVII, devido á iniciativa fabril de alguns Brandoenses e Lamacenses, em convénio mudaram o curso da ribeira...», ou errou no século ou então está a passar um atestado de incompetência aos dizeres populares. É que só em 1708 (século XVIII) existe notícia da primeira fábrica de papel no Concelho da Feira, a Real Fábrica de Nossa Senhora da Lapa, conhecida também como do Engenho Velho e de que o primeiro alvará atribuído a uma fábrica de papel, data de 27 de DEZEMBRO DE 1716, atribuído a uma fábrica da Lousã.
    Também quanto à Indústria Corticeira, sabemos que só na segunda metade do século XVII (1680) é que em França, um monge beneditino Dom Pierre Pérignon, utilizou a cortiça como vedante nas garrafas de champanhe. A indústria rolheira - a forma mais primitiva da indústria corticeira - teve o seu berço na Catalunha, na província de Gerona, parecendo provável que nos anos de 1770 a 1780 já tivesse algum desenvolvimento, ainda pequeno. Foram decerto, alguns operários catalães que introduziram esta indústria em Portugal.Não vejo as localidades referenciadas, no século XVII com qualquer poderio industrial, que levasse os seus proprietários a tomarem a atitude de desviarem o leito de uma ribeira para fins industriais.
    Quem foram portanto os indusriais Brandoenses e Lamacenses, que aparecem referenciados pelo meu amigo?...
    Para terminar apenas mais uma observação, não se fie muito nos mapas e nem das descrições que são feitas nos "900 Anos de Paços de Brandão", a seu tempo e se continuar a acompanhar as minhas "Dissertações", encontrará motivos que o levarão a pensar que:... como é possível que numa monografia de uma terra, devidamente institucionalizada pelas autoridades locais,sejam cometidos erros de tal envergadura?!...

    Um abraço,
    SOLRARO

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  3. caro solraro:

    tem razão foi lapso meu ao redigir o texto , pois o queria dizer era séc. XVIII e não XVII ( ERRARE HUMANO EST " o obrigado pelo reparo ... Quanto aos factos do desvio do rio , a primeira fabrica de rolhas na região nasceu em Lamas fins do século XVIII e á boleia nasceram as familiares , tanto de papel como de cortiça , havendo no século XIX algumas que se serviram do : Seitela, Merouço, Maior etc... Na carta coreografia da idade média de José Matoso , a posição do rio era perpendicular á posição actual da fronteira com Oleiros ; para este ter o curso actual foi desviado , havendo nesse mesmo século XVIII , Uma celeuma a que foi dado o nome " Guerra das Águas " , a que Mozelos e Oleiros ficaram a perder ...

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  4. Meu Caro Bardo,

    Agradeço a sua explicação, mas já agora, e para atiçar mais um pouco a polémica, quando e onde se instalou em Portugal, a primeira fábrica de cortiça no Norte de Portugal?...Talvez não saiba, mas foi bem lá para o Norte de Portugal, em terras transmontanas, nada menos nada mais do que terras de Mirandela, e na região do Porto, durante o reinado de D. José (1750-1777), na zona ribeirinha da cidade, «uns fabricos rolheiros que forneciam as rolhas rudimentares, feitas por mulheres, aos mercadores de vinho do Porto», sendo a matéria prima adquirida nos montados transmontanos.Quanto ao local do berço desta importante actividade, parece que não existerem muitas dúvidas, de que a indústria preparadora e transformadora corticeira se desenvolveu em primeiro lugar nas regiões a Sul do Tejo.
    Quanto às fábricas de papel, só um reparo ao seu comentário. Quais as indústrias de papel que existiram em Santa Maria de Lamas?...Em RIO MEÃO, no ano de 1820, existia uma pertencente a José Pinto, em S. Paio de Oleiros, a mais antiga do Concelho da Feira, 1708, fundada por: José M. Ottone e Vicente Pedrossem (Engenho Velho), em Paços de Brandão, a mais antiga será decerto a do Padre José Pinto de Almeida (1795), a do Engenho Novo, e, só em 1822, nos aparece a fábrica de: Lourença Pinto e Joaquim de Carvalho, localizada em Rio Maior. Quer isto dizer que acho estranho que os proprietários destas indústrias, tenham no século XVIII, originado disputas de àguas, o que aliás era muito frequente existir nessas épocas, mas para fins de regas,onde os proprietários de terrenos agrícolas tinham horas determinadas para afazerem chegar aos seus terrenos.Quanto aos mapas,como deve saber, na Idade Média não existiam,(pelo menos não existem documentos de que em Portugal nos levem a afirmar de tal) apenas a sua descrição era efectuada, contudo nem sempre os nossos historiadores, da Idade Moderna e dos nossos dias, foram rigorosos, na sua elaboração, veja o caso do Sr. Padre Correia, quando na página 103, dos seus 900 Anos P. B., publica a cópia de um mapa publicado por Robert Durand, no seu trabalho sobre Grijó (Le Cartulaire Baio-Ferrado), no qual pode ver o percurso do nosso Rio Maior, e, onde não vem assinalado, o que o Sr.Pde.Correia, efectuou na transcrição para o seu livro (Paços de Brandão, com o símbolo de uma cruz, Rio Maior, com um triângulo, indicativo de casal ou vila)!...Como é que nos poderemos fiar nestes historiadores?....

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