segunda-feira, 21 de junho de 2010

Considerações sobre a história local - Paços de Brandão (XII)



IDADE MÉDIA – ATÉ AO SÉC. XIV – XV (TERRAS DE SANCTA MARIAE - 1)

A terra na qual Paços de Brandão está inserida, chamava-se antigamente de «Sancta Mariae», nome que teve toda esta parte, que começava na foz do Douro e se estendia até ao rio Vouga. Em artigos publicados no Instituto e referente ao Mosteiro de Grijó, feito por M. da C. Pereira Coutinho, encontrei a seguinte e interessante descrição, desta região:


«A terra, em que o mosteiro de Grijó teve a sua primeira fundação, e está hoje fundado, chama-se de Sancta Maria, nome que teve antigamente a terra, que começa desde a foz do Douro para estas partes, como declaram várias doações, que estão no arquivo deste mosteiro, e o tem ainda hoje a terra circunvizinha a ele, que chamamos da Feira; o seu principal castelo, o qual sabemos de escritura autêntica, que está no arquivo deste mosteiro, se chamava pelo anos de 1093, castelo de Sancta Maria, sendo neste mesmo ano, em três de Outubro, alcaide-mór dele Flacencio, e diz o catálogo dos bispos do Porto, 1ª p., cap. 1º, fl. 13 e 16, que chamava-se esta terra da invocação de Sancta Maria, fora, porque, quando os gascões entraram na cidade do Porto, depois de estar avassalada pelos mouros, e nela fizeram assento e se puseram a conquistar toda a terra da sua comarca, que então estava sujeita às armas maometanas, a toda a que rendiam punham o nome de Terra de Sancta Maria, querendo dizer nisto que ao favor da Virgem Maria, mãe de Deus, deviam suas armas as vitórias que alcançavam. Não reprovamos a razão, antes acrescentamos continuaria a terra da Feira com o nome de terra de Sancta Maria, por assim se chamar a sua cidade do Porto, dentro de cujo bispado este quase toda, a qual cidade se chama de Sancta Maria, e como diz a Monarchia Lusitana, liv. 9, c. 13, e o declara o título, que tem à porta de sua câmara que diz – Civitas Beatae Virginis – o qual tomou da sua igreja matriz, que sempre se chamou igreja de Sancta Maria, como achei em muitas doações, feitas ao mosteiro de Grijó, e juntamente o declara o livro dos óbitos do mesmo mosteiro, onde estão escritos muitos cónegos daquela sé, que deviam ser do tempo que ela era dos cónegos regulares dizendo: Obiit N. Caanonicua Sanctae Mariae do Porto; ao que parece aludiu el-rei D. Afonso III nas cortes que fez em Leiria, pelos anos de 1254, chamando à cidade do Porto villa da igreja; e ainda, se nos é lícito de uma coisas tirarmos outras, digo que já no ano de 848 se chamava esta terra de Sancta Maria, reinando em Portugal D. Ramiro I, o qual fazendo uma doação ao mosteiro de Lorvão, neste ano de 848 lhe dá nas rendas da terra de Sancta Maria, quinhentos soldos; são as palavras latinas: Ego pró meae redemptione animae meorumque parentum in terra do vobis, de Sancta Maria, quot annis sólidos quingentos. A qual doação traz a Monarchia Lusitana, liv.7, cap. 13. Pelo mesmo nome a nomeia João, abade de Lorvão, no ano de 850, como se pode ver na mesma Monarchia Lusitana, cap. 14.

E os gascões entraram no Porto pelos anos de 963, pouco mais ou menos, como diz a Monarchia Lusitana, liv. 7, cap. 23, reinando D. Ramiro III, que é muito tempo adiante, pelo que mais antigo é a terra da Feira chamar-se terra de Sancta Maria, que a entrada que no Porto fizeram os gascões. E assim entendo se chamava terra de Sancta Maria, de uma cidade, que dentro em si tinha, fundada no monte que hoje se chama Sagitella, tendo pela parte N. o caminho mourisco, que os mouros descobriram, e pela parte P. o mar o qual é vizinho a este mosteiro de Grijó; e para a parte S. as confrontações da cidade, que nele estava fundada, a qual cidade se chamava de Sancta Maria, como declaram várias doações que no arquivo deste mosteiro há. E que aqui estivesse esta cidade o declara a carta de venda feita a 15 da kalendas de Dezembro, era de 1124, que é a seis de Dezembro do ano de 1086, a qual, para declarar a terra vendida, diz - … in villa Nogueira de Ecclesiola ab integro subtus monte Sagitella discurrente fonts de frui Lacum, in subúrbio civitatis Sanctae Mariae. Se a igreja matriz do Porto deu nome à sua cidade, chamando-se cidade de Sancta Maria, por ser da mesma Senhora a sua igreja, também o chamar-se hoje principalmente terra de Sancta Maria à da Feira, pode ser seja em ordem às muitas casas de oração que dentro em si tem da invocação de Nossa Senhora, todas de muita romagem e veneração, entre as quais é a ermida de Nossa Senhora do Campo (a mais antiga de quantas há desde o Douro até ao Vouga); como é tradição em todos os moradores destas partes de que antigamente era a Senhora da Terra da Feira, sita dentro do isento deste mosteiro, afastado dele para o N. um quarto de légua, onde acham remédio para maleitas os fiéis cristãos, que daí levam com devoção uma pouca de terra: A Senhora das duas fontes que muito pouco dista do mesmo mosteiro para a banda do mar, e está dentro do mesmo isento da invocação de Nossa Senhora da Nascença, em cujo dia tem feira, e há grande concurso de gente: Nossa Senhora d’Alimieira, que está distante deste mosteiro, para o S. duas léguas e meia, onde há grande irmandade de clérigos e grande feira no seu dia: A Senhora d’entre ambas as águas, que está para a mesma parte três léguas, onde há grande romagem, e acham indulgência plenária os que no seu dia (que é o de Nossa Senhora da Nascença e oitava do Espírito Santo), desde as vésperas antecedentes a visitam contrictos e confessados: E Nossa Senhora das Areias (que tem assim o nome por ficar junto ao mar, entre as areias da Costa Branca), anexa a S. Cristóvão de Ovar. Com tudo chama-se esta terra, por uma ou por outra razão, TERRA DE SANCTA MARIA. Entre ela está situado o mosteiro de Grijó.
E para que nada falte por saber aos curiosos, chamava-se, no tempo dos romanos, esta terra da feira Lamgobrica, como adverte frei Luís dos Anjos, no jardim que compôs da mulheres virtuosas de Portugal, fl. 3 e 6, o qual nome lhe deu o principal povo, que em si tem, chamando-a Villa da Feira, que então se chamava Lamgobrica, como consta do itinerário que deixou o imperador Antonino, que servia de roteiro aos romanos para não errarem as terras, em o qual tinha posto as principais que então havia de Coimbra até Braga, que eram – Conimbriga, Emineum, Talabrica, Lamgobrica, Cale, Bracara, e são, como declara Vasconcelos, Coimbra, Águeda, Aveiro, Feira, Porto e Braga. E como esta Terra da Feira não ter mais circuito que dezoito léguas (como consta de uma sentença, que está no cartório do mosteiro), contudo tomando-a toda desde o Douro, começando em Vila Nova, tem oitenta e oito igrejas, sitas dentro do bispado do Porto, das quais vinte têm o SS. Sacramento e cinco mosteiros, aos quais estão anexas 104 ermidas, excepto a igreja de Rio Meão com as suas duas anexas S. Pedro de Macedo, e S. Martinho de Arada, que são Comenda de Malta. É fama constante e imemorial, fundada em muitas razões, que esta igreja de Rio Meão foi dos Templários; tem mais onze igrejas das quais dez pertencem ao bispado de Coimbra e uma ao de Viseu.
A terra que é somente precisa da Feira tem conde; cuja casa e paços principais é o Castelo da Vila da Feira, em que reside. Há mais nesta Comarca da Feira oito Comendas de Cristo, scilicet – Canedo com duas anexas; Lobão e Louredo; S. Miguel de Oliveira com sua anexa, Sanct’Iago de Riba Ul; S. Miguel de Souto; S. Vicente de Pereira com sua anexa, S. Martinho da Gandara; Santa Marinha de Mondoil, S. João do Loureiro e S. Mateus de Brunheiro; Sanct’Iago de Beduído com sua anexa de Santa Maria de Mortosa; S. Miguel de Arcuzelo com sua anexa; S. Paio de Oleiros, cujo padroado é deste mosteiro de Grijó; S. Pero Fins com sua anexa Santo Estêvão de Guetim (onde está uma relíquia do Santo Lenho); Santo André de Lever anexa da dos Medos, que está da outra banda do rio. Tem também esta terra dois morgados, a que chamam o morgado de Vilar do Paraíso, que come os frutos da igreja com título de capela, ficando obrigado a mandar dizer duas missas, e dar azeite para a lâmpada do Santíssimo que nela está, e apresenta o cura. O morgado de Fermedo, onde tem suas casas, e padroado da mesma igreja.
Além da jurisdição, que o conde da Feira tem na sua terra, há oito coutos particulares, que são o de Grijó, o de Pedroso, que hoje é do colégio da companhia de Coimbra; o de Avintes que é o de Sandim, das freiras de S. Bento do Porto; o de Cucujães, que é do mosteiro de S. Bento do mesmo nome; o de Crestuma, que é do bispo do Porto; os quais todos têm juízes particulares. Esta pois é a Terra de Sancta Maria, e comarca da Feira, dentro da qual está situado o mosteiro de Grijó.
O bispado dentro de cuja diocese está hoje este mosteiro é o da cidade do Porto. Verdade é que em tempo antigo era no de Coimbra, não porque estivesse fundado em diferente lugar do de hoje, senão porque nos primeiros tempos da expulsão dos mouros destas partes, chegava o bispado de Coimbra até ao Douro, ficando dentro da sua diocese toda a Terra da Feira; e o do Porto não passava o Douro


Contudo esta origem da circunscrição territorial denominada Terra de Santa Maria, merece alguns reparos por parte do Dr. Aguiar Cardoso, que em “Terra de Santa Maria – Civitas Sanctae Mariae”, nos diz:

«É estranho que seja, ainda hoje, controversa a localização da histórica, circunscrição territorial denominada Terra de Santa Maria, embora nos mais cotados autores não se lobrigue qualquer dúvida sobre este assunto.
Sim; tais autores atribuem sistematicamente a designação Terra de Santa Maria a uma circunscrição territorial sita, toda ela, ao sul do rio Douro, sem confusão alguma com o Porto, tendo por cabeça a civitas Sanctae Mariae que hoje é a Vila da Feira. Mas, não obstante, outros autores há que, desde muito e ainda hoje, insistem em afirmar que a Terra de Santa Maria era muito vasta, prolongando-se aquém e além Douro, englobando por aí acima Guimarães e mesmo Braga, dizendo-se cabeça dessa vastíssima circunscrição territorial a cidade do Porto que era – esses o dizem – a própria civitas Sanctae Mariae.
De um e outro lado, tudo o que se colhe são meras afirmações que aparecem no decurso de quaisquer relatos históricos, não tendo pensado ninguém, que nós o saibamos, em fazer a demonstração do que afirma, e laborando muitos na confusão destas duas designações – civitas Sanctae Mariae e civitas Virginis – que poderão parecer equivalentes, mas que o não são porque, embora uma e outra se refiram à mesma bem conhecida entidade religiosa, a verdade é que sempre se aplicaram a povoações diferentes
…»

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