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Não posso deixar de começar por notar a estranha ironia deste que é o Ponto Único da reunião. Sabendo que esta sessão extraordinária foi convocada na sequência de requerimento emanado do grupo local do PS, e sabendo que o mesmo grupo local do PS tem agitado como bandeira de luta a recusa de um aterro sanitário em qualquer das freguesias do Concelho, é no mínimo irónico que este PS tenha pedido a convocatória de uma Assembleia para discutir, e cito, qual será a “localização de um aterro sanitário no Concelho de Santa Maria da Feira”…
Esta e outras incoerências exigem que deixemos bem claro o que está aqui a acontecer. A política não é, não pode ser uma estratégia de manipulação de populações a troco de votos e poder. A nossa Câmara, como já vem sendo hábito, escuda-se numa atitude de sobranceira arrogância, limitando os esclarecimentos a declarações lacunares e inertes; não tomando uma posição crítica e esclarecedora; resistindo a envolver as populações no debate sobre a necessidade de construção de um aterro sanitário, e vindo a público, ora pela figura do Senhor Presidente, ora pela figura do Vereador Emídio Sousa, lançar curtas e taxativas declarações de fatalismo, que nos fazem perguntar para que serve, afinal de contas, o Executivo Municipal. Perante o estudo do IDAD (Universidade de Aveiro) que apontava, paralelamente a Canedo, Caldas de S. Jorge/Pigeiros como possível localização de um aterro sanitário, a nossa Câmara PSD comportou-se infantilmente, tal como uma criança mal comportada que bate nos meninos mais pequenos, e diz que se não a deixarem continuar, passa a bater nos meninos grandes. O executivo entendeu que a construção de um aterro na zona termal das Caldas podia funcionar como um fait diver político, uma manobra de diversão para fragilizar a oposição à construção de um aterro em Canedo. A Câmara sabe perfeitamente que sugerir a instalação de um aterro sanitário na zona termal das Caldas equivale a sugerir a instalação de um aterro sanitário no parque envolvente das Piscinas Municipais da Feira. É uma hipótese obviamente imponderável, e sentimo-nos insultados na nossa razoabilidade por este jogo de “entre dois, o menos mau”. Sentimo-nos insultados, e os feirenses não deverão tolerar à sua Câmara Municipal um comportamento destes. O executivo sabe perfeitamente que o aterro jamais iria para as Caldas, mas, mesmo assim, manteve o silêncio quanto a essa possibilidade, como forma de facilitar a argumentação a favor da «hipótese Canedo». Não iremos, como faz o PS, exaltarmo-nos contra a possibilidade de uma tal localização, e tão simplesmente porque não subestimamos a inteligência da Câmara a ponto de acreditar que essa proposta seria sinceramente aceite. É óbvio que nunca passou pela cabeça de nenhum dos membros do executivo instalar o aterro nas Caldas. E é justamente por terem utilizado o silêncio como manobra política que denunciamos a total falta de ética democrática da conduta da Câmara. Sublinhamos: não podemos tolerar que pensem que a população é tão ingénua que não interprete esse silêncio, e não compreenda o golpe de cartas que ele encerra. Por outro lado, a Câmara PSD sabe, e sabe bem, que nunca investiu no tratamento de lixo, deixando para as situações extremas a solução desta questão. Contra todas as recomendações da CDU, a separação do lixo no domicílio dos utentes não é estrategicamente incentivada. E, o que é pior, andámos a meter o lixo num buraco da encosta em Canedo durante décadas; tínhamos uma lixeira na margem de um dos afluentes do rio Douro, e contaminámos durante anos, e ainda hoje, o rio Inha e os lençóis freáticos de Canedo com lixiviados. E, sublinhe-se, com isto o PS nunca se preocupou! E quando a CDU denunciou a situação, quando dissemos que já havia algas criadas pelos lixiviados, o PS ria-se!
Com amigos destes, a população de Canedo não precisa de inimigos.
Mas a politiquice do nosso PS vai mais longe. Sabemos que as condições de possibilidade de adesão à LIPOR são praticamente nulas. Segundo o PERSU, a incineração não é cabimentada como esforço de redução do CO2, logo, não há qualquer participação comunitária. Acresce ainda a necessidade, mediante a eventual entrada do Município da Feira, de construção de um parque intermédio no Concelho (E veja-se a contestação popular que os parques intermédios existentes inspiram). E aí, o PS continuaria a dizer que o parque intermédio também teria que ser fora do Concelho?
Além disto, nunca nos podemos esquecer de que a palavra final será do governo central, do governo central que é o mesmo Partido Socialista que aqui encena a sua oposição. É por esta razão que não podemos aceitar que esse mesmo PS transforme esta Assembleia no palco da sua declaração de vontades. Além de demagógica, essa é uma atitude hipócrita. Caríssimos Senhores, quem vai decidir verdadeiramente onde fica o aterro sanitário é o Ministério do Ambiente, ou seja, o mesmo PS que traz aqui cidadãos a manifestarem o seu descontentamento!
A resolução política deste problema é, contudo, bastante fácil. Basta dizer que o aterro sanitário fica fora do Concelho. Mas isso não resolve nada. Se Gaia aceitar a construção do mesmo aterro a cinquenta metros da fronteira com Canedo, vamos todos para a Assembleia Municipal de Gaia exigir que o coloquem mais para o lado deles?
Somos parte do problema, teremos que ser parte da solução. Respostas como “no meu quintal, não” só nos afastam de soluções concretas.
É preciso começar, portanto, por admitir que o lixo não tem que ser um problema, ele é, potencialmente, uma riqueza. Basta, para tanto, que seja tratado de forma produtiva. Todo o lixo é matéria-prima. Estamos hoje a vender anualmente toneladas de plástico usado à Índia. Plástico que, depois de passar pela indústria de reciclagem e produção da China, regressa a nossas casas, sob a forma das bugigangas e acessórios de baixo custo que compramos nas chamadas “lojas dos chineses”. E depois perguntamos porque razão conseguem eles vender tão barato, quando a reposta está aqui tão perto.
Num concelho eco-eficiente, o lixo irrecuperável, o único que precisa de ser depositado em aterro sanitário, representaria apenas cerca de sete quilos por ano, por cada habitante, o que significa resultados de deposição de 18 a 30 por cento.
É urgente, a nível local, a implementação de uma estratégia de educação ambiental, acompanhada de um investimento sério e consequente em medidas de valorização dos resíduos, numa aposta clara na construção de um Concelho eco-eficiente.
Não podemos deixar de notar que o envolvimento dos cidadãos na definição da estratégia ambiental do Concelho permanece uma utopia. À boa maneira do PSD, tudo se passa nos bastidores, à margem das populações. É por isso que queremos aqui insistir na urgência da instalação da Comissão de Acompanhamento para a consideração da questão do aterro sanitário, Comissão cuja criação a CDU veio propor a esta Assembleia em 29 de Dezembro de 2008, tendo sido aceite com o aval de todos os partidos políticos. À Comissão de Acompanhamento, composta por cidadãos residentes nas áreas apontadas, membros dos partidos políticos, detentores de cargos do poder local e um representante da Suldouro, compete mediar as populações e os órgãos com poder de decisão, no sentido de uma discussão produtiva, informada e participada, que é tudo o que não houve, até agora.
Enquanto não houver transparência, envolvimento das populações e honestidade democrática, continuaremos a assistir a esta encenação política orquestrada a contraponto pelo PS, e a um empurrar o problema de um Concelho para outro, de uma freguesia para a freguesia vizinha. Não estamos numa gala nem numa competição de retórica, e o PS não se pode esquecer disto. A seriedade que nos é exigida não permite que façamos trinta e uma Assembleias Extraordinárias, para no fim decidir por sorteio a localização do aterro sanitário.
Uma das coisas que nos deve ensinar o Monumento ao Espírito Feirense é que a verticalidade das nossas gentes assenta numa consciência de conjunto sólida. A harmonia do círculo e o aprumo de cada bloco de pedra permanecem enquanto permanecer, a uni-los, a rede invisível que levantou esta comunidade.
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