segunda-feira, 26 de abril de 2010

TRADIÇÕES POPULARES PORTUGUESAS: AS MAIAS

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As pessoas mais idosas, nas quais me incluo, tanto em Paços de Brandão como em outras partes de Portugal, recordam-se certamente das nossas brincadeiras de infância.
O peão, a malha, o jogo dos botões, da macaca, da roda, a berlinda, a bola de trapos (não havia dinheiro para adquirir uma de «capa»), etc, etc, faziam parte do nosso dia a dia, principalmente na escola, nos intervalos das aulas (o recreio estava sempre esburacado, com aquelas covas muito redondinhas, prontas a receberem os berlindes dos «pirolitos»). Quem não se poderá lembrar destes jogos?...
Como seria interessante as nossas instituições educativas e locais, ensinarem às nossas criancinhas as tradições dos seus avós!... Mas o nosso mundo de infância não se ficava só por aqui.
Estamos a aproximarmo-nos do 1º. de Maio. Desde a minha infância que me lembro de, neste dia, as janelas e portas das casas se enfeitarem com giestas amarelas (Maias). Mas não eram só as casas a estar floridas: também as locomotivas apareciam nas nossas linhas férreas, a deitarem vapor por todos os lados, com as suas frentes bem enfeitadas com palmas e coroas de flores. Cada maquinista primava por enfeitar da melhor forma a sua máquina. O mesmo sucedia com os camionistas que enfeitavam a frente das suas camionetas. E quem não se lembra de ver aqueles carros puxados a bois, pachorrentos e barulhentos, com bonitas e artísticas cangas e com os chifres devidamente ornamentados com flores silvestres?!...
São tradições que muitas delas caíram do nosso esquecimento. Contudo, “AS MAIAS” ainda perduram e é por elas que hoje vou levar ao vosso conhecimento a sua antiguidade e um pouco como eram celebradas pelo nosso País.


AS MAIAS

Para se conhecer melhor do que trata esta festa popular, das MAIAS, nada melhor do que recorrer a José Leite de Vasconcelos e transcrever o que nos diz em “AS MAIAS” – Costumes Populares Portugueses (Porto, Junho de 1882).
A mais antiga menção desta festa popular, festa evidentemente naturalística, posto que mais ou menos desviada da sua significação primitiva, já pelo próprio Paganismo, já pelo Cristianismo, creio que se acha nestas linhas da Postura da Câmara de Lisboa de 1385: «Outro sim estabelecemos que daqui em diante em esta cidade e em seu termo nom se cantem Janeiras nem Mayas, nem a outro nenhum mês do ano…» ( Apud Ethnogr.Port., de F. A. Coelho, pag. 35).
As Maias propriamente ditas constam de duas partes: o enramalhamento das portas e o Maio-moço. Tratemo-los em separado.

I – No primeiro de Maio, no Douro, Beira-Alta, Minho, etc, enfeitam-se as portas das casas com ramos de giestas amarelas, chamadas Maias. O povo dá destes costumes duas explicações:
a) Quando a Virgem foi para o Egipto, deixou pelo caminho muitos ramos de giesta para não se enganar na volta;
b) Quando Jesus Cristo nasceu, os Judeus procuraram-no para o matarem e, como soubessem que ele estava em certa casa, colocaram-lhe à porta um ramo de giesta a fim de no dia seguinte o prenderem. Nesse dia, porém, todas as casas da povoação apareceram marcadas e os Judeus não puderam dar com ele. Em Vermoil o costume sofre uma modificação: as cortes do gado são enfeitadas com ramos de carvalho, ao que chamam maiar o gado.


II – As Maias celebram-se, assim, no 1º. de Maio, ao pé de Viseu: vestem-se muito asseadas várias crianças, à imitação de anjos, com coroas de rosas do campo na cabeça, asas de giesta, as quais crianças vão de casa em casa a cantar:

Vede-lo Maio,
Maio anão;
Vede-lo Maio
Pelo rego do pão.
Aprontai, pastores,
Os ramos e flores,
Que a cruz de Maio
Nos chama já.
Florindinha
Que bela está.
(Recolhida em 1877).

Em Vouzela, andam as crianças vestidas de Maias, com giestas, pedindo pelas portas e cantando :

A flor da giesta,
Quem a tem, logo a empresta.
A flor da cana,
Quem a tem, logo a apanha.
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No Algarve : «Em quase todas as casas é costume arranjar-se uma grande boneca de palha de centeio, farelos e trapos, que depois vestem de branco e cercam de flores.» Chamam-lhe a Maia. A boneca é colocada sempre no meio da casa e de modo que seja vista por todas as pessoas que passam pela rua. Vem a noite e começam os bailes em redor do mono, cantando as raparigas uma infinidade de cantigas tais como:

O meu Maio – moço O meu Maio - moço
Ele lá vem, Chama-se João,
Vestido de verde, Faz-me guarda à casa
Que parece bem. Como um capitão.

Estribilho

Ele lá vai
Por hortas abaixo,
Ele lá vai
Por vinhas acima:
Viva, viva, lá
Que passe muito bem.
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Bluteau diz também no vocabulário (Ap.Ad.Coelho, p.63. Bluteau faleceu em 1734): «Mayas ainda se usam em Portugal nos Domingos e dias Santos no mês de Maio, pondo-se em algumas ruas umas mesas, cobertas com alcatifas ou outros panos, e se assenta em cada uma d’elas uma menina ou moça, bem vestida, e adornada com flores, que pede dinheiro às pessoas que passam». Segundo o mesmo autor, os rapazes cantavam em Maio:

Viva o Maio carambola
Que ele vai jogando a bola!
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Encontraram-se uma vez dois namorados, na manhã do primeiro de Maio: ele ia para a lavoura com a sua grade às costas, ela vinha da fonte. Pegaram de conversar. E em tão boa hora que, quando despegaram, era já noite. Ela então, aludindo a que o amor, por mais tempo que dure, parece um momento, cantou esta canção, que o povo ainda hoje repete em muitas partes (Minho, Beira-Alta) juntamente com o couto:

Dia de Maio,
Dia de má ventura,
Inda agora era manhã,
Já é noite escura.

A cantiga e o couto são tanto mais dignos de nota, quanto é certo que no dia da festa romana chamada Floralia, que parece ter alguma analogia com as nossas Maias, havia corridas de pessoas ornadas de rosas, para, com a rapidez delas, simbolizarem o valor efémero dos encantos da vida (Cf.Preller, Les dieux de l’ancienne Rome, p. 265.)
Os costumes relativos ao 1º. de Maio têm sido ultimamente objecto de muitos estudos comparativos, que os relacionam com antiquíssimas festas da Primavera em que, por vários modos, se pensava despertar a fertilidade da Natureza, adormecida durante o Inverno, e evitar que os maus espíritos prejudicassem os campos e o gado.

Porto, Junho de 1882 (José Leite de Vasconcelos)


O autor: SOLRARO

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