segunda-feira, 25 de abril de 2011

CDU - Intervenção na Assembleia municipal de 25 de Abril

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Vivemos tempos conturbados. Quando o imperativo da soberania nacional parece não representar mais do que um conceito distante para o nosso Governo, assinalar a Revolução de Abril levanta questões de fundo acerca do significado da democracia. Este ano, Abril comemora-se entre os uivos de uma ingerência no país, protagonizada por organismos que vêm impor directivas estrangeiras ao rumo nacional, numa clara afronta ao direito de auto-determinação de um Estado soberano. Talvez por sentirem o embaraço e a vergonha que esta cedência representa face ao projecto de Abril, alguns preferiram virar o rosto noutra direcção e assobiar para o ar, como se este ano pudessemos passar da noite de 24 para a manhã de 26 de Abril. É a humilhação de quem prefere esconder do que reconhecer os erros, e é mais uma prova de que alguns de nós estavam certos quando afirmavam, na esteira de Abril, que só um projecto patriótico e de esquerda, assente na produção e na justa distribuição da riqueza, emancipado dos monopólios bolsistas e banqueiros poderia conduzir Portugal a um futuro de dignidade e a uma vida melhor. Esse foi, esse é o legado que Abril nos outorga. A principal lição dessa madrugada: um povo só se cumpre quando é livre. E hoje, citando Pessoa, apetece dizer, de novo, falta cumprir-se Portugal.
Passados trinta e sete anos de liberdade, quais são as memórias que permanecem do tempo de Salazar e Marcelo Caetano?
Para quem não viveu, nem sofreu em tempo de ditadura, o que mais nos transtorna são as histórias contadas, na primeira pessoa, de torturas e de prisões. Condenando-se toda e qualquer liberdade de expressão de gente como todos nós, que temos ideias próprias e pensamentos diferentes. Mas, o tempo foi passando as histórias e as vozes foram-se calando e as nossas memórias apagaram-se, de tal forma que, muito boa gente já apela de novo a um Salazar, num desespero por voltar ao passado, devido a uma política de direita que se arrasta há demasiado tempo. São sinais de uma vontade confundida, perante a lógica do capital e da especulação, que lança a divisão e o caos para se impor como única solução “viável”. Mas não, meus senhores: a escolha não é, não poderá jamais ser entre isto ou o caos. A alternativa existe, bm concreta e real, tem nomes e tem projectos. Hoje, mais do que nunca, os portugueses são chamados a julgar as políticas que nos últimos trinta e cinco anos nos conduziram a este estado de coisas. Hoje, mais do que nunca, é hora de mudar, de se fazer cumprir Abril, e dar corpo ao sonho de um povo.
Sabemos que alguns apelaram mesmo à poupança nas Comemorações do ”25 de Abril”. A primeira questão que nos ocorre é: Que tipo de poupança será esta? Uma poupança financeira no combustível, uma vez que, não existirão aviões, blindados ou pagamentos de gratificados? Ou será, isso sim, uma economia de memória, dissimulando os direitos adquiridos, cortando o direito de liberdade de expressão, emagrecendo no direito ao voto e, em suma, reduzindo genericamente o direito à democracia?
Encontram-se por aí vozes, ditas credíveis, e achando-se donas da verdade que apelam a uma greve ao voto, no dia cinco de Junho, como se fosse esta a solução para a grave crise económica e politica que atravessamos. E eu pergunto: como podemos abster-nos, quando se está a decidir o futuro do nosso País? Como é que as mulheres podem abster-se quando tantas outras já lutaram por este direito fundamental? Como é que podemos abdicar de um direito e de um dever, num País que conta com todos nós? Mais uma vez, tentam fazer-nos esquecer que este direito ao voto, garantia e pilar da liberdade de um povo, foi adquirido com a Revolução dos Cravos de 1974 a 25 de Abril. Outros, com iguais propósitos, vêm agora, com novos argumentos, defender uma velha modalidade de supressão da democracia: a unidade do come-e-cala e da resignação, numa estranha e curiosa massa informe de partidos do arco do poder que, ao que tudo indica, já ponderam juntar-se para sobreviver, e, quem sabe, tocar um uníssono final antes de cair o pano. É triste ver que em momentos destes os do costume vêm apelar ao compromisso nacional em prol do silenciamento dos eleitores, do engavetamento dos projectos dos partidos, a favor de um soberano menosprezo pelo sentido de cada um dos votos, apenas para que os responsáveis por esta crise se perpetuem no poder, como, se de algum modo, aqueles que fazem parte do problema pudessem ser a solução!
Num momento em que a soberania nacional está em causa, em que os bancos e o capital mandam em nós, vemos a história repetir-se. Também durante o fascismo poucos eram os que mandavam: os Mellos, Espírito Santo, Champalimaud…, os mesmos que hoje andam em roda - viva na televisão pública, a culpar a classe trabalhadora pela crise, para a qual nos empurraram. Tudo isto enquanto o povo empobrecia, enchia as ruas a pedir aumento de salário, menos horas de trabalho e pão. Trinta e sete anos decorridos sobre a revolução, a classe trabalhadora empobrece, trabalha até sessenta horas semanais, já não tem dinheiro para viver apenas do seu trabalho. Nas grandes superfícies comerciais, explora-se os trabalhadores 365 dias por ano com a permissão do executivo camarário. Os bancos continuam a mandar e o cinto, de quem menos tem, continua a apertar!
O poder local democrático está em causa! A democracia mais pobre e, ao mesmo tempo que, tentam descredibilizar quem se dá à causa pública.
Mas meus senhores e minhas senhoras, desenganem-se que a ofensiva desta vez é contra todos os que amam e lutam pela liberdade. Não é apenas contra os comunistas, contra os trabalhadores, contra os sindicatos. Como dizia o Padre Niemöller:
“"Primeiro eles procuraram os comunistas
e eu não falei,
porque não era comunista.
Depois procuraram os judeus,
e eu não falei,
porque não era judeu.
Depois procuraram os católicos
e eu não falei,
porque era protestante.
Então vieram atrás de mim,
mas aí, já não havia ninguém
para falar por mim."
Com efeito, estes momentos difíceis que atravessamos parecem ser uma justificação para voltarmos a um tempo de ditadura e de censura, onde o Povo se cala com o receio de perder o seu emprego, onde o Povo se cala com receio de perder os seus direitos, onde o Povo se cala com receio de um futuro incerto, e abre mão da democracia em nome de falsos salvadores da Pátria.
Daqui afirmamos, com a convicção de quem sempre lutou por um outro Portugal: este rumo não passará! Afirmamo-lo com a alegria e a esperança dos olhos que viram a madrugada de Abril, os muitos olhos, de muitas gentes, que se abriram para a liberdade, e, com José Afonso, repetimos agora: “quem vencer esta meta, que viesse em linha recta!”
Que este 25 de Abril seja o mote para sair de novo à rua, para expressar a indignação, a necessidade de mudança e a esperança num Portugal livre e soberano.
E para terminar, afirmamos:
25 De Abril, sempre!


Ricardo Silva
Membro da Comissão Concelhia do PCP Santa Maria Feira

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