Intervenção na Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira
Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2010
19 de Março de 2010
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal
Exmos. Senhores Vereadores
Exmas. Senhoras e Exmos. Senhores
Discutimos um orçamento camarário sob a égide de uma política de contenção, de exigência de mais sacrifícios – sempre aos mesmos de sempre – de aumento brutal do desemprego, do aumento da pobreza e exclusão sociais ao mesmo tempo em que é apresentado um Orçamento do Estado e um Programa de Estabilidade e Crescimento, que mais não é do que a receita da instabilidade e do aumento das dificuldades das famílias, que terão sérios impactos na população feirense.
E não venham os arautos de sempre dizer que “não nos diz respeito” ou que “esta não é a sede para se discutirem essas matérias”. Esta Assembleia Municipal tem o dever político para com as populações que a mandataram de defender os seus superiores interesses.
Em causa está o pagamento de portagens nas SCUT’s que servem o nosso município. É mais um encargo profundamente injusto para os feirenses. Em causa está mais uma alteração ao subsídio de desemprego – sempre em desfavor dos desempregados – que vai dificultar o acesso a esta prestação, atingindo as pessoas na sua honra, na sua dignidade, obrigando-as a trabalhar a qualquer preço.
E no município feirense são já 9360 os desempregados, e elas, como sempre, são a maioria, representando 56,6%. 47,8% têm idades compreendidas entre os 35 e 54 anos e 35,4% apenas têm o primeiro ciclo do ensino básico. São mais 28% do que em Janeiro de 2009. E que novas oportunidades para os nossos cidadãos quando o Governo os trata quase como marginais e a Câmara Municipal continua, como sempre, com políticas de “atenuação” dos efeitos. Não exige do poder central intervenção assertiva e defensora dos interesses municipais e, acima de tudo, dos interesses das pessoas, criando oportunidades de investimento e de emprego com direitos.? Não é com a abertura de um balcão do centro de emprego em Santa Maria da Feira, apesar da inegável necessidade do reforço de meios da Segurança Social, que se promoverá o emprego no nosso concelho.
É que hoje, cada feirense vive, ou conhece alguém que viva uma situação de desemprego e de falta de recursos. Gonçalo M. Tavares, jovem escritor português, descreve como ninguém esta realidade.
«Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.»
Quantas mães, quantos pais procuram desesperadamente emprego, para si, para as suas famílias, e apenas encontram portas fechadas, salários de miséria, enquanto, na porta ao lado, vive um dos homens mais ricos de Portugal? E é a estas mães, estes pais, estes filhos a quem se pede que “apertem o cinto”.
E é o actual Governo, que às vezes governa com PSD e CDS-PP, que impõe sacrifícios também às autarquias. Municipaliza o ensino, a saúde, a acção social e não cuida de transferir os meios financeiros necessários. E ninguém se esquecerá, e será bom que não esqueçam, o infeliz episódio de desrespeito total pelo poder local e pelos órgãos democraticamente eleitos por parte do Sr. Ministro das Finanças, quando confrontado com a proposta do PCP que apenas visava fazer cumprir a lei que determina a obrigatoriedade de transferências do Orçamento do Estado para pagamento da remuneração dos eleitos em regime de permanência a meio tempo e a tempo inteiro nas Juntas de Freguesia. “Money for the boys”, assim foi apelidado este direito dos eleitos. “Money for the boys”, democraticamente eleitos pelas populações, enquanto o Governo desbarata milhões de euros em prémios a administradores nomeados e faz transitar quadros do Governo para empresas como a Microsoft.
Quanto ao Orçamento do executivo camarário, desde logo ressalta o evidente desinvestimento neste órgão, a Assembleia Municipal. Se antes já faltavam recursos e os meios, continuando os documentos a ser entregues em cima da hora, continuando a não existir um espaço específico para os grupos municipais, continuando a não existir um portal da Assembleia Municipal – tema que foi amplamente debatido durante a campanha eleitoral, o PSD revela bem a relevância política que dá à Assembleia Municipal. Reduz o orçamento, dos habituais e insuficientes 45 000, “dispensa” 37 200 euros, reduzindo em 18,67%, não apresentando uma única medida de melhoria do funcionamento e publicidade dos actos desta assembleia.
Mais uma vez, tendo sido a CDU a única força política a apresentar propostas para inclusão nas Grandes Opções do Plano, e apesar de mais uma vez o executivo lançar mão do humor, afirmando que as propostas estão acolhidas na generalidade, a verdade é que não estão. Basta ler o documento apresentado. Sendo as mesmas prioridades, as medidas propostas estão longe de ver a sua concretização nos documentos em discussão.
Desde logo no ambiente, das 19 medidas propostas, nenhuma encontra tradução orçamental. E, mais uma vez, as promessas sucessivas de conclusão da rede de saneamento merecem repetição sucessiva de orçamento em orçamento.
Por exemplo: a o sistema de recolha da Remolha veria as suas obras de ampliação em 2008. Afinal, era em 2009. Afinal, a reabilitação do sistema de recolha fica para 2010. Previa-se, em 2008, o arranque da construção da Etar do Inha. Afinal, a empreitada de concepção e construção era em 2009. Mas afinal, é em 2010 que se prevê “dar início e concluir a ETAR do INHA. Canedo, seria em 2008, em 2009, mas a conclusão é, afinal, em 2010.
Apesar dos milhões que a Câmara propagandeia ter investido, nunca falando dos milhões que deixou de obter de dinheiros europeus pelo incumprimento contratual, desde 1986 que as populações esperam o cumprimento da promessa feita, nessa data, pelo Sr. Presidente Alfredo Henriques.
É ainda inevitável trazer à discussão a política de gestão de resíduos da Câmara Municipal. A recolha e tratamento eficiente dos resíduos sólidos urbanos, pelas suas implicações e consequências para a defesa do ambiente, têm sido sempre uma das maiores reivindicações da CDU com particular ênfase no concelho de Stª Mª da Feira.
Vezes sem conta criticámos e denunciámos a total ausência de medidas que visassem uma gestão eficaz nesta matéria por parte da Câmara PSD. A CDU, como é seu timbre, ao longo de sucessivos mandatos deste poder laranja, sempre denunciou a falta de uma verdadeira aposta em políticas de defesa ambiental, que começa desde logo pela não eliminação das lixeiras e montureiras existentes no concelho, e termina na falta de uma acção sustentada e coerente de sensibilização dos munícipes para a triagem e separação dos resíduos no próprio domicílio. Acresce aos factos atrás referidos a ineficácia que deriva de uma escassez de meios da sua recolha e transporte, de ecopontos e de ecocentros que cobrem nitidamente de forma ineficaz o município, dado o seu número insuficiente.
E aqui, uma interrogação. Na discussão em sede de reunião de Câmara o sr. Presidente fala do aumento das receitas por via da multiplicidade de taxas que os feirenses pagam. Já não bastava a taxa de rede, a Câmara equaciona uma taxa de recolha de lixo. Como é possível, face à actual situação económica e social, face à deficiente política de recolha e ao fracasso das políticas ambientais, a Câmara equacionar, sequer, uma nova taxa, um novo encargo para os cidadãos?
Socializam-se os prejuízos, privatizam-se os lucros para a Indáqua que engorda com a venda de um bem sem o qual ninguém vive - aumenta a poluição, aumentam as lixeiras de berma de estrada. Quem passeie pelas ruas da sede do concelho tropeçará nas lixeiras nos passeios, responsabilidade dos munícipes que não cumprem as normas e responsabilidade da Câmara que afectou apenas um fiscal para 31 freguesias.
Na educação, o parque escolar, nas mãos da Câmara desde 1988, permanece um parque desqualificado e desadaptado em virtude de anos sem qualquer intervenção de fundo. O anúncio da construção dos centros escolares, sendo positivo, continua a ser tardio e insuficiente, pois os contentores, pomposamente denominados salas modulares, continuam a ser a solução encontrada por esta Câmara, que de provisórios passaram a permanentes - já lá vão 4 anos.
É de todo lamentável a inércia e desleixo a que o Executivo Municipal feirense vota às escolas do Ensino Básico, em claro contraste, aliás, com repetidas promessas e cenários de fantasia. Tais são os exemplos da não resolução das várias carências detectadas no novo Centro Escolar do Murado em Mozelos, apesar de sistematicamente denunciadas pela sua comunidade educativa, que sempre secundámos, a não ligação das escolas à rede de saneamento, entre muitos outros problemas que permanecem sem uma resposta eficaz por parte da Câmara Municipal e do respectivo pelouro da Educação.
Por outro lado, a CDU defende a imperatividade da construção de uma escola secundária em Santa Maria da Feira, proposta reiteradamente ignorada por este executivo. Só assim será possível aliviar os efeitos da sobrelotação que se verifica nas escolas Fernando Pessoa e Secundária da Feira e dar mais oportunidades aos jovens que hoje têm de recorrer a escolas dos municípios vizinhos, por falta de resposta educativa diversificada no nosso concelho. De sublinhar, ainda, que desapareceu, em definitivo, o compromisso de substituição de todas as coberturas de amianto.
Um dos eixos que consideramos estruturantes para uma política justa e solidária é a política social. Neste âmbito, o Executivo tem levado a cabo projectos interessantes, inovadores, nomeadamente no que diz respeito à integração de famílias que vivam em contextos de exclusão social. Não obstante, o Relatório não dedica medidas concretas de apoio aos desempregados que não sejam a mera continuidade do que existe nem medidas para as centenas de crianças e jovens em risco do nosso concelho que, de acordo com o relatório da CPCJ que nos foi distribuído sofrem graves problemas de negligência em famílias desestruturadas.
Sobre os transportes, o Município finalmente avança na diversificação e aumento dos percursos do Transfeira, ficando por garantir a mobilidade para todos – desde transportes à remoção dos obstáculos físicos. O Município finalmente, e a contragosto (mas valeu a pena a persistência das populações de da CDU), avança com o cumprimento do protocolo com a REFER e, esperamos, rumo à reabilitação da Linha do Vale do Vouga.
Quanto à política cultural e a centralidade que esta ocupa nas opções políticas do executivo camarário, a CDU sempre reconheceu a excelência de muitos dos eventos promovidos, conquanto estes envolvam crescentemente as populações e sejam, efectivamente um serviço público, como é o caso desta Biblioteca Municipal e de vários eventos como o Festival para Gente Sentada, as conferências no âmbito do Sete Sóis Sete Luas, entre outros. É assim incompreensível que o Cine-Teatro António Lamoso continue a funcionar nas precárias condições em que se encontra, necessitando de uma intervenção e requalificação de fundo, para evitar que, no fim dos eventos culturais, os artistas publicamente manifestem o seu alívio por não terem sofrido qualquer lesão com os vidros caídos do tecto.
Quanto à Juventude, continua a não existir uma política e investimento integrados, apesar da enorme massa juvenil de Santa Maria da Feira e da necessária participação e dinamização dos jovens do concelho.
A talhe de foice, sempre se refira ainda o “desabafo” do senhor vereador José Manuel Oliveira que afirmou, em relação ao montante de 500 000 euros em software, que “é um absurdo o dinheiro que as empresas levam em função do valor das licenças”. Pois é verdade. Mas é também verdade que há cinco anos a CDU propôs a utilização de software livre – em que não se pagam licenças – e o executivo recusou veementemente. E também é verdade que empresas portuguesas de software livre têm vindo a desenvolver projectos piloto com Câmaras Municipais e com grande sucesso. Para a CDU isto é modernização administrativa. A Câmara prefere desbaratar recursos com licenças que hoje já não se justificam face às alternativas existentes. Até o Magalhães já escolheu software livre.
Na generalidade, todos os pelouros sofrem cortes orçamentais entre os 20% e 30%, garantindo que em 2010, tudo ficará na mesma.
Para finalizar, não poderia deixar de assinalar que é em 2010 que se celebra o centenário da proclamação do Dia Internacional da Mulher, proposto em 1910 por Clara Zetkin, revolucionária alemã e dirigente comunista, em resposta às reivindicações do direito ao voto, pela igualdade salarial e pela jornada de trabalho de 8 horas.
Como se mantêm actuais e oportunos os objectivos que, há 100 anos, determinaram a decisão de assinalar todos os anos o Dia Internacional da Mulher! Nas palavras eternas de Maria Velho da Costa:"Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. (…) Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. "
E hoje, elas ainda lutam e, mais do que nunca, elas – e eles - virão para a rua de encarnado, içando a bandeira da igualdade e da justiça social.
In “O Senhor Brecht”, Gonçalo M. Tavares, Caminho, 2004, p.14
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