A conversa com o João Pinto, mentor do Projeto EZ e interveniente em
múltiplos acontecimentos artísticos ao longo da última década, foi uma
caixinha de surpresas, ou talvez não. Havia um alinhamento, mas mais do
que isso, fizemos uma conversa informal… por vezes, uma mera troca de
opiniões e perspetivas.
A genuinidade e espontaneidade vivem em cada uma das frases de um jovem
que há muito mostrou o que vale e é verdadeiramente um exemplo de
dedicação, persistência e capacidade de ultrapassar as limitações para
qualquer um de nós.
Nada melhor do que começar pelo início e perceber as origens e
motivações de um percurso tão vasto como o que João Pinto transporta no
seu currículo.
João diz-nos que «tudo começou no Chapitô». «Foi uma escola, mas acima
de tudo um carimbo. Por lá aprendi imenso e abriram-se portas, mas a
maior formação é a experiência. É na rua, a resolver problemas e
situações concretas, que se aprende».
Mas, «na prática, nasci no Art’Encena, onde fui literalmente lançado aos
leões. Foi com eles que fui para a rua experimentar e enfrentar as
dificuldades. Foi assim que cresci. No percurso, cruzei-me com Istaminé,
que entretanto se separaram, mas pontualmente poderão voltar a
cruzar-se. E hoje dedico-me ao projeto EZ».
Porquê a opção animação em detrimento do espetáculo mais rigoroso?
«É uma opção apenas. Está dentro de mim…
Eu nasci para isto com a personagem do bobo, NO Art’Encena. Esta
personagem vive inteiramente da comunicação com o público e, ainda hoje,
muitos anos depois, me falam dele. Eu estava a sentir e a viver aquilo
intensamente, literalmente a improvisar. Era como se fosse real.
Consegui estar 2 ou 3 horas na rua, com o público, e pareciam apenas 15
minutos.
Os projetos desta natureza vivem da força, da essência, da vontade…»
“Já faço feiras medievais há 12 anos… começo a precisar de fazer coisas diferentes…”
A experiência como narrador da Viagem Medieval, em 2010, foi diferente?
«Foi diferente em tudo, mesmo na formação. Até então nunca tive alguém a
mandar em mim, um encenador. Sempre tinha trabalhado em função da
liberdade da rua e do público, aqui encontrei um novo desafio, com mais
rigor técnico. Foi uma boa experiência, adorei, mas este conceito não me
agrada muito».
“O teatro de rua vive do público… só está quem quer e ninguém tem de pagar bilhete”
“É essa a essência, a liberdade a espontaneidade…”
E em relação ao Projeto EZ, encaixa nesse alinhamento mais aberto?
«Sim, fiz aquilo que gosto, com ligeiros ajustamentos. Fiz inteiramente para mim, porque eu tenho de ser o meu maior crítico».
Como nasceu o Projeto EZ?
«Bem, EZ nasceu em 2006, quando saí do Chapitô. Nasceu do sonho… da
minha educação em casa: quando tu queres uma coisa tens que trabalhar
para ela.
A minha noção era ter a minha mala às costas e vender o meu produto da
forma mais simples. Tudo isto nasceu da construção de um espetáculo que
nunca levei para a frente, o “1 palmo de estupidez”… e o projeto vivia
disso, seguir-se-ia o 2 palmos de estupidez e por ai adiante. Mas
passou, passou, passou…
Acabei por começar com trabalho que não queria tanto… e agora renasceu
tudo. É uma daquelas coisas em que podemos dizer que nos sentimos
realizados. Tem um caráter muito meu, uma enorme conotação pessoal.
Enfim, tudo nasceu do projeto das bicicletas (leia-se veículos), mas não
se resume APENAS a isso. Bem, na prática, tudo começou no Facebook.
Deixei uma imagem do primeiro protótipo e a reação foi absolutamente
positiva. E a partir daí fui por aí adiante».
“Não sou feliz se não estiver a inventar”
Porquê o nome EZ?
«EZ é o início e o fim de “EstupideZ”. Quando estamos a criar algo, a
dado momento consideramos sempre que algumas das nossas ideias são
estúpidas e vão para o lixo. Mas aí está o erro. Estupidez é não
concretizarmos as nossas ideias, é não sermos felizes.»
Como surgiu o Imaginarius 2012?
«O EZ que conhecemos nasceu no Imaginarius.
Chamaram-me e disseram-me: nós vamos ter de fazer algo para a promoção
do festival, queres ser tu a fazer isso? Aceitei o desafio, mas, na
prática, o que temos não é nada do que foi pensado.
Tinha a ideia de usar os veículos numa espécie de pista de obstáculos,
mas acabamos por fazer algo mais deambulante e com menos logística. E
temos um problema: eu não sou engenheiro. Não poderíamos deixar os
veículos ao uso exclusivo do público, daí a mudança. Tivemos a
perspetiva de aumentar a interação e a segurança».
E o público, como o sentes?
«Não tenho muito a noção da adesão do público. Acabo por não ter a consciência das potencialidades. Só pelo que me dizem…»
E como nasce O TRABUCO, o inovador projecto para a Viagem Medieval 2012?
[sorrisos]
«Foi criado em reunião. Cerca de 3 semanas antes da Viagem Medieval,
convidaram-me para uma reunião, com a sugestão de uma proposta para a
programação da Viagem.
A minha ideia para um projeto a este nível seria a criação de uma
perspetiva original de algo a solo (tipo Tosta Mista), queria parar para
fazer este espetáculo, mas com 3 semanas apenas isso seria quase
impossível. Fomos explorando uma ideia solta que estava na minha cabeça e
à medida que fui explicando o conceito foi nascendo o que vimos.
Com isto, tive apenas 3 semanas de intenso trabalho, uma delas à espera
do carro de golfe. Mas lá fui preparando tudo e avançando com os
figurinos. Foram duas semanas de construção… aquilo que eu realmente
gosto!»
Como partiram para a Viagem?
«Começamos por descer a rua da Câmara e lá foi uma faixa das que ambientavam o recinto… fomos logo destruir.
Sempre consideramos que não era um espetáculo, estávamos num outro
alinhamento. Em cada saída, a ideia era vamo-nos divertir! E aos poucos
começamos a ver as potencialidades da máquina.
O nosso objetivo era fazer algo que fosse capaz de fazer encher o olho e
de arrancar as máquinas fotográficas dos bolsos do público.
Não fizemos ensaios, apenas testes de capacidade e segurança. Tudo aconteceu espontaneamente».
Gostaste do resultado?
«Gostei deste trabalho, gosto de fazer trabalhos por encomenda. Gosto
realmente deste tipo de trabalho, mas, nunca pensei que me cansasse
tanto».
Futuro da engenhoca?
«Não tenciono vender o Trabuco, até porque o conceito foi criado
especificamente para Feira, vive do espaço e das características daqui e
não conheço mais feiras com este espaço».
Saldo da Viagem…
«Eu senti-me muito bem.
Por vários motivos: construção da ideia; todas as pequenas coisas em
relação à organização; fui bem tratado a todos os níveis… A satisfação e
reação do público… Por tudo isto faço um balanço muito positivo».
Novas máquinas/engenhocas?
«Existem, eu não quero parar!
Quero dinamizar o material dos vários projetos, sejam os veículos ou a
estrutura para o medieval.
Há novas ideias e coisas fantásticas que eu quero construir. Gostava de
abordar veículos que marquem a diferença e sejam mais ilusão. Quero
construir com mais utilidade para o dia-a-dia e moldar os veículos de
forma a poderem ser usados por qualquer pessoa. Gostava de me aventurar
noutros veículos.
Eu considero sempre duas etapas, bem distintas, nos projetos EZ: a
construção e o espetáculo. Quero sempre construir ideias impossíveis.
Para isso, o meu armazém é só meu… Ali, criam-se coisas fantásticas. Lá
tudo é possível, se houver tempo e capacidade para criar».
“Sou capaz de criar à minha maneira”
“Eu vivo um dia de cada vez”
“Não sou rico mas sou feliz”
João Pinto mostra-nos uma verdadeira lição de vida e uma intensa e
saudável persistência em busca da concretização dos sonhos e dos
projetos. Promete novidades para breve: anuncia-se uma nova imagem para o
projeto EZ, aliada a uma página web e novas ferramentas de comunicação.
E como é óbvio, vemo-nos por aí… Na rua!
Para que não escape nada, todas as novidades do projeto EZ estão em
atualização permanente na sua página Facebook (www.facebook.com/ezveiculos).
Antes
de terminar, há coisas que não devem ficar esquecidas. João Pinto deixa
um agradecimento especial às lojas “A Novidade” e “Girafa Kids” pela
cedência de espaço e apoio incondicional.
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