terça-feira, 17 de abril de 2012

A GUERRA PENINSULAR EM TERRAS DA FEIRA - I

Por: Carlos Varela
A GUERRA PENINSULAR
A SEGUNDA INVASÃO FRANCESA
(Os Trágicos Acontecimentos Ocorridos em Terras da Feira)



Em Março de 1809, o General Soult invade Portugal, pelo Norte do País, sendo esta a segunda invasão francesa, que tragicamente ficou assinalada pelo desastre da ponte das barcas no Rio Douro, entre o Porto e Vila Nova de Gaia, bem como o ocorrido em Terras da Feira, o massacre de Arrifana e o fuzilamento de sete portugueses pelos franceses no sítio conhecido por “PINHEIRO DAS SETE CRUZES” localizado entre o Picoto e a Vergada (Mozelos).
Tentar dar a conhecer o que se passou, principalmente nesta segunda invasão, bem como da situação em que se encontrava Portugal, são os meus propósitos, para que ao se ler a descrição do que acorreu em Terras da Feira, seja melhor percetível o seu enquadramento na história desta invasão comanda-da pelo General Soult e pela reação, principalmente do Povo Português, àqueles que nos tentavam subjugar.
A política externa do governo de D. Maria I, pode-se considerar como sendo completamente desastrosa. Se o Marquês de Pombal tinha conseguido uma atitude firme na questão da aliança portuguesa com a Inglaterra, já o governo de D. Maria, tivera uma atitude dúbia de compromissos com o nosso «eterno aliado», bem com a França e a Espanha. Tentou-se evitar a guerra e renunciou-se às pretensões portuguesas sobre o atual Uruguai, cedeu-se à Espanha as Ilhas de Fernão Pó e Ano Bom (no Golfo da Guiné). Se é certo que era bastante difícil a política externa portuguesa, uma vez que quase toda a Europa se encontrava em guerra com a França, mais complicado se tornou quando se procurou uma tríplice aliança com a Espanha e a Inglaterra contra a França revolucionária. O resultado foi os corsários franceses, principalmente a partir de 1793, atacarem os nossos navios e comboios navais, de que resultou elevado prejuízo. Bem se tentou neutralizar tal ação conjuntamente com forças espanholas, mas tal não resultou em qualquer vantagem para o nosso comércio marítimo.
Entre 1795-1797, mediante acordos secretos entre a Espanha e a França é combinada uma invasão e conquista de Portugal. Em 1801 a França e a Espanha confirmam a sua aliança e declaram-nos guerra. Em apenas três meses, conseguem derrotar, sistematicamente, o exército português no Alentejo. À pressa fez-se uma paz que nos obrigou a entregar a cidade de Olivença à Espanha e a suportar uma pesada indemnização e Portugal comprometia-se a fechar os seus portos aos navios de guerra ingleses.
Novamente a política externa portuguesa oscilou, entre as pressões inglesas e as francesas, e este estado de coisas manteve-se entre 1801 a 1807. Em 1806, Napoleão decreta o bloqueio continental, pelo qual nenhuma nação europeia podia ter relações comerciais ou de qualquer tipo com as Ilhas Britânicas.
Portugal, não se mostrando muito interessado em aceitar o bloqueio, originou que Napoleão, em Julho de 1807, enviasse uma nota diplomática em que ordenava o encerramento dos portos portugueses aos ingleses, a prisão de to-dos os cidadãos daquela nacionalidade que estivessem no País, bem como confiscarem os navios e bens britânicos e a quebra das relações diplomáticas com a Inglaterra.
Mediante a indecisão de Portugal tomar qualquer compromisso, e não as suas habituais manobras de apaziguamento, em Agosto de 1807, os enviados diplomáticos franceses e espanhóis apresentam um ultimato ao governo do príncipe - regente D. João (Portugal declarava guerra à Inglaterra até 1 de Setembro ou os exércitos franco-espanhóis invadiam o País).
Pelo tratado de Fontainebleau assinado em fins de Outubro pela França e Espanha, Portugal é dividido em três partes. Entre Douro – e- Minho, para o rei da Etrúria (Lusitânia Setentrional), o Alentejo e o Algarve (Principado dos Algarves) para a Espanha (cujo príncipe seria Godoy, primeiro ministro espanhol), a parte restante, Beiras e Estremadura seria para decidir, quando a paz voltasse. Estava preparada a invasão de Portugal pelos franceses e espanhóis, o que veio a acontecer em meados de Novembro, com Junot a comandar um poderoso exército (primeira invasão francesa).
Segundo nos diz Oliveira Martins (História de Portugal, pgs. 515 e 516): «Um rumor surdo de tempestade começava a ouvir-se: pressentia-se um segundo terramoto. Não podia ser tão medonho como o anterior, porque tudo baixara, tudo estava derreado pela podridão. Mas na inércia do nosso cemitério nacional, as notícias aterrando o português, fiel ao trono e ao altar, eram comentadas com os casos da França, onde o mundo acabava. A rainha, o rei e o melhor do reino tinham morrido no patíbulo; Robespierre fora o primeiro Anti-Cristo; e agora, sobre o seu cadáver, vinha à frente dos exércitos invencíveis o segundo, a derramar por todo o mundo o clamor do último dia.
Quem resistiria ao destino armado? Quem faria face a Napoleão, cuja corte atravessara a Espanha, e pisava já o solo português? Não seria o príncipe-regente, nem a rainha doida, nem as altas classes ensandecidas, nem o povo faminto, indiferentes, sebastianistas. À voz do verdadeiro Anti-Cristo português, que foi Junot, desabou tudo por terra? A nação, roída nos ossos pela térmita infatigável, o jesuíta, nem já era o esqueleto: era apenas o pó de um cadáver».
Face à invasão francesa, comandada por Junot, o governo português nem pensou em se opor, não houve qualquer tipo de resistência. A família real, o governo, e grande parte da nobreza, bem como funcionários régios, etc., embarcaram para o Brasil em fins de Novembro, com os invasores a entrarem em Lisboa, levavam tudo o que era de valor, preciosidades, livros, arquivos, dinheiro, tudo se deslocava para o Brasil. O Rio de Janeiro passou a ser a nova capital do reino, e, durante catorze anos, a metrópole não passou de uma sua colónia.
O exército de Junot, uns 50.000 soldados franceses e espanhóis, cometeram por toda a Nação, pilhagens, roubos, confiscaram o que lhes apeteceu, mataram e prenderam a seu bel - prazer.
Damião Peres, na sua Edição Monumental da História de Portugal, páginas 331 e seguinte, volume VI, diz-nos que: «A este tempo erguera-se no norte do País o primeiro grito de rebelião contra os franceses. No dia 6 de Junho, o general Bellesta prendera o general Quesnel, que governava o Porto em nome de Junot, e todos os franceses que houve em mãos. Em seguida convocou as autoridades civis e militares e os principais da cidade a quem incitou para recobrarem a sua independência, tendo sido aclamado o Príncipe Regente e hasteado o pavilhão nacional. Com a partida de Bellesta, porém, amorteceu o entusiasmo por se julgarem os rebeldes expostos à cólera dos franceses, decidindo-se a voltar à obediência, facto que se repetiu na cidade de Braga. A notícia dessa primeira tentativa correu célere e chegou a Trás-os-Montes onde o antigo governador das armas da província, Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, que residia em Bragança, fez aclamar o Príncipe Regente e chamou às fileiras os transmontanos organizando alguns regimentos de milicianos, e uma junta governativa que ele próprio presidiu, e entabuou relações com os generais espanhóis das províncias vizinhas. Em breve toda a província se manifestou solidária com o general Sepúlveda, organizando a sua defesa e vendo que a seguiam Viana, Guimarães, Caminha e o Porto, agora decidida heroicamente.
Foi a 18 de Junho que a população do Porto novamente se amotinou contra os franceses. Dois dias antes ainda, por ordem do irresoluto brigadeiro Luís de Oliveira da Costa, cuja ação nos acontecimentos do dia 6 tanto contribuíra para a pusilanimidade da população, os regimentos de milicianos deviam acorrer à procissão do Corpo de Deus com o pavilhão francês. A recusa por parte dos soldados acirrou mais a exaltação do povo, que à notícia de que se estavam carregando alguns carros de pão para abastecimento dos soldados franceses que se dirigiam à cidade, começou por se amotinar. Dentro em pouco encontrava o povo portuense quem o dirigisse naquele primeiro impulso, o capitão João Manuel de Mariz. Dirigiram-se então para o Campo de Santo Ovídio donde retiraram algumas peças de artilharia, aos vivas ao Príncipe Regente e desfraldando a bandeira portuguesa, encaminhando-se depois para a Ribeira, colocando aqui algumas peças para defender a ponte das barcas da passagem dos franceses, enquanto outros de modo igual procediam em Vila Nova de Gaia. Já então o primeiro partido dos insurretos aumentara extraordinariamente, por se lhe ter juntado grande parte da população, antigos oficiais e muitos soldados, que no dia imediato compareceram em frente do paço episcopal, indo o bispo, D. António José de Castro, com todos os insurretos à Sé, onde se deram graças pelo sucesso e se organizou uma Junta provisional do Supremo Governo do Reino. Além do bispo que presidia a essa junta, foram nomeados outros membros pela igreja, pelo povo, pela magistratura e pelo exército, sendo escolhido entre os representantes deste último o capitão João de Mariz.
Em breve algumas perseguições e violências contra indivíduos suspeitos de francesismo macularam o entusiasmo das primeiras horas. Por falta duma direção esclarecida e enérgica, a população passava por alternativas de desânimo e de impetuosidade, suspeitando-se atraiçoada ou presa das armas dos franceses. A intervenção da Junta, que proibiu as reuniões populares e deter-minou que só em caso de rebate se permitiria ajuntamentos, veio pôr um pouco de ordem na vida da cidade.
Quando soube da rebelião que se estendia pelo norte do País, Junot organizou o primeiro corpo de forças para a dominar. Só agora podia compreender com quanta clareza Napoleão previra na ocupação de Portugal uma fonte de dificuldades, contrariamente ao seu entusiasmo de ocupante sem resistência. O Imperador ao conhecer o seu relato, em Dezembro, dissera-lhe que se deixava embalar em vãs ilusões, querendo significar que a apatia dos portugueses escondia o fogo do seu entusiasmo patriótico».
A população ia-se revoltando, organizando em guerrilhas, conforme podia, contra o invasor. Em 1808, como atrás se disse, estabeleceu-se uma Junta Provisória no Norte do País, sobre o comando do Bispo do Porto, conforme se pode ler em “AS INVASÕES FRANCESAS EM CARTAS PASTORAIS DE BISPOS PORTUGUESES”, de Manuel Augusto Rodrigues (Separata da Revista de História de Ideias, vol.7-Faculdade de Letras-Coimbra 1985) pág.93: «O Bispo do Porto, D. Fr.António de S. José de Castro, desempenhou uma ação notável na oposição aos invasores franceses. Foi presidente de uma Junta formada em Junho de 1808 em nome do Príncipe Regente que se instalou no próprio paço. Dela faziam parte o Padre Manuel Lopes Loureiro, provisor do bispado, o Padre José Dias de Oliveira, vigário-geral, José de Melo Freire, desembargador juiz da coroa, Luís Sequeira da Gama Ayala, desembargador dos agravos, João Manuel de Mariz, capitão do exército, António da Silva Pinto, António Mateus Freire de Andrade a quem deu por ajudante D. Miguel Pereira Forjaz. A Junta tinha poderes nas províncias da Beira Alta, Minho e Trás-os-Montes. Foram tomadas medidas de diversa ordem para a organização militar da região, inclusivamente o lançamento de impostos.
A 28 de Março de 1809, ao aproximar-se o exército de Soult, este mandou ao Bispo três parlamentares, tendo dois deles sido logo assassinados pela multi-dão. O terceiro veio também a ser assassinado, pelo que o prelado, temendo qualquer ato de vingança dos franceses, abandonou a cidade juntamente com as demais autoridades. O exército invasor entrou no Porto no dia seguinte, 29 de Março».
A situação no Porto era por demais explosiva, conforme o que nos relata José Accursio das Neves, em “Observações Sobre os Recentes Acontecimentos das Províncias d’Entre Douro e Minho, e Trás-os-Montes “ (Lisboa 1809), «no Porto levantava-se a populaça a ditar as Leis aos Cidadãos honrados, pedia o sangue do primeiro Magistrado, contentando-se apenas com arrastá-lo às prisões, naquele mesmo tempo, em que abria as portas a um bando de facínoras, que levavam diante de si a confusão, e desordem. A desconfiança introduziu-se em todas as classes, abriu-se um vasto campo à intriga, e à calúnia, correu pelas ruas desta infeliz Cidade, o sangue dos nossos Concidadãos, assassinados uns às mãos dos outros, com o pretexto de falsidade, e traições, quando os únicos, ou os principais traidores eram os maquinistas de tantas atrocidades; viram-se em fim os horrores de uma terrível Anarquia. E passarão estes excessos por movimentos de puro patriotismo, sendo os resultados de um espírito de destruição! Como podia esperar-se a salvação da Pátria, quando se começava por princípios desorganizadores da sociedade?
O inimigo aproxima-se, e aproveitando-se destas convulsões intestinas, força as trincheiras, e apodera-se da Cidade do Porto, que com as suas quarenta baterias, os seus duzentos canhões, e muito Defensores, na verdade resolutos, e valentes, não pode resistir-lhe por tanto tempo, como lhe havia resistido o Povo de Braga em campo aberto, sem qualidade alguma de fortificações.
Tudo foi sacrificado; os culpados, e os inocentes foram arrastados à morte, ou ao cativeiro pela Mão sanguinolenta da Anarquia. Para cúmulo de desgraça não houve acordo de se cortar a tempo, e com ordem a ponte de barcos sobre o Douro; operação, que exigia poucos minutos, e que veio a efectuar-se tão extemporânea, e impropriamente, que só serviu de abrir um despenhadeiro, em que o infeliz do Povo, que fugia ao inimigo, veio achar a morte, procurando a vi-da. Entulhou-se de cadáveres, e sobre os cadáveres passou o inimigo a apoderar-se da margem esquerda do Douro, e de todas as fortificações adjacentes, para de ali inquietar a seu salvo a Beira Alta com as suas costumadas correrias. Que espantosa lição do poder da Anarquia! Só ela, e mais ninguém podia lançar esta mancha na Glória Nacional, e armar os desprezíveis braços – destes novos Sans-cullotes – tirados da lama das praças, e da imundice das cadeias do Porto, para fazerem o horroroso sacrifício de tantas vítimas inocentes, da segunda Cidade do Reino, e de mais de uma Província.»


Continua...

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