terça-feira, 23 de outubro de 2012

UM ENSAIO … OU TALVEZ NÃO … SOBRE A LIBERDADE



Por: Carlos Varela

Existem concepções, de Vida, de Filosofia que têm que prevalecer no nosso ser. Se queremos que uma espontaneidade total nasça no mundo das ideias, será preciso que os pensadores possuam uma perfeita independência interior. O Homem só a obtém depois de haver abolido em si toda a vontade de poderio – e talvez somente se ele for realmente fraco. A ausência de poder parece uma condição favorável para falar em nome da Liberdade e para a suscitar no outro.  É dentro da humildade, dentro da generosidade, que um indivíduo tem a possibilidade de colaborar, numa parte ínfima, impercetível, no nascimento de um Mundo onde a Liberdade possa plenamente manifestar-se.

O Homem em geral, na qualidade de ser dotado de razão, que se dirige aos seus irmãos, espera deles perguntas e respostas, e que pretendem todos juntos em busca do verdadeiro. Os «porque» e os «talvez» não podem prevalecer para a razão. Ela não vive de argumentos pró e contra, mas da sua autenticidade própria e com a lúcida consciência de não possuir a verdade e somente caminhar em sua busca.

Analisando o aspecto histórico de algumas crónicas, chega-se à conclusão de que certos «cronistas» se recusam a executar seja o que for, não admitem qualquer argumento, mantêm firmemente, como uma premissa intangível, o seu «credo qui absurdum», e a sua fé, naquilo que nos apresentam, parece real. Em vez de encararem a Razão como o ar que nós não vemos, mas que queremos puro, pelo contrário preferem uma atmosfera capitosa e inebriante.

Sem quase se dar por isso, renunciamos à Razão e obviamente à Liberdade. E o Homem, renunciando à Liberdade da Razão, fica a um passo da escravidão. Ficando predisposto ao mito, deixa afundar-se tudo quanto constitui a compreensão da Liberdade. E se ficarmos acantonados a uma fé irracional e insuscetível de ser discutida, ficamos à beira da Liberdade cessar de nos alimentar e em breve esqueceremos o que Ela significa.

Se, o vazio nos ocupar os nossos sentimentos ficamos privados simultaneamente de nós próprios e da Verdade, ficamos prostados no terror. Renunciando à Razão renunciamos também à Liberdade. Quem não fizer brilhar em si próprio a luz da Razão, está mais ou menos perdido. Fica prisioneiro das verdades que concebem ou que se lhe impõem. Marcha ao acaso da Vida, ávido do poderio e sem penetrar nos verdadeiros móbeis que o animam. Tende a considerar a sua própria ideia uma verdade absoluta e única, procura de uma maneira totalmente egocêntrica a identificação com uma causa, recusa-se quanto não traz água ao próprio moinho. Não se procuram amigos, mas admiradores e súbditos. Com a maior naturalidade, apenas se contempla o próximo na medida em que ele pode participar como figurante no nosso próprio drama.

Para muitos, dos pretendentes a escribas, deste ou de outro meio de comunicação escrita e em alguns casos falada, só a imaginação impera – a imaginação que com nada se devia comprometer e que se deveria pretender que fosse a própria verdade da nossa essência, quando, na verdade apenas somos objecto de estados afectivos incoerentes. Um pensamento mítico a este ponto degenerado, por carecer de uma autocrítica existencial, não constitui senão a negação do pensamento.

São, os pseudos-escribas, claro, uma forma de anti-razão, têm origem numa negação simultânea da Verdade e da Liberdade humana, são a corrupção de uma verdade inicial; são impulsos que os arrastam para o «sabbat» infernal das metáforas, dos dogmas, dos aforismos, para a expressão de um capricho instável, para perpétua inversão dos valores, para uma falsa interpretação da Vida.

Termino com um filósofo grego do século V-IV A.C., ISÓCRATES,  no que se relaciona com «Os sofistas», diz-nos :
«Quem não há-de detestar e desprezar os que passam o tempo a discutir, os que fingem procurar a verdade, mas logo ao começo das suas proclamações tentam dizer mentira?
A tal ponto chegou a sua audácia, que tentam persuadir os jovens de que, se deles se aproximarem, ficarão a saber o que se deve fazer, e, graças a esse conhecimento, se tornarão felizes. E, instituindo-se mestres e senhores de tais especialidades, não se envergonham de reclamar por elas três ou quatro minas.» (Contra os sofistas, 2-3)

(O meu tributo para o Jornalista, o Poeta, o Lutador pela Liberdade de Escrever, que nos acaba de deixar e para tantos outros, talvez anónimos, e esquecidos, mas que deram as suas Vidas pela Razão de se alcançar a Liberdade).


Paços de Brandão, 23 de Outubro de 2012

1 comentário: