03 Janeiro 2012 | 23:30
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt
Estamos saturados de manhosos, desconfiados de moralistas, estamos sem
ídolos, sem heróis, estamos encandeados pelos faróis dos que saltam para
o lado do bem para escapar à turba contra o mal. Quando apanhamos,
abocanhamos. Estraçalhamos. Somos uma multidão furiosa. Às vezes,
erramos. A família Soares dos Santos não está a fugir aos impostos.
Mesmo se vai fugir ao País. Só há um antídoto contra a especulação: a
informação. É assustador ver tanta opinião instantânea sobre o que se
desconhece. A sede de vingança tomou o lugar da fome de justiça. O
problema não está na rua, nas redes sociais, nas esquinas dos
desempregados. Está em quem tem a obrigação de saber do que fala. Do
Parlamento, de Ana Gomes, de António Capucho, dos que pedem boicotes ao
Pingo Doce (para comprar onde, já agora? No Continente da Sonae que tem
praças na Holanda? No Lidl, que as tem na Alemanha?). A decisão da
família Soares dos Santos pode ser criticada mas não pelas razões que
ontem se ouviu. A Jerónimo Martins não vai pagar menos impostos. E a
família que a controla também não - até porque já pagava poucos. Uma
empresa tem lucro e paga IRC; depois distribui lucro pelos accionistas,
que pagam IRC (se forem empresas) ou IRS (se forem particulares). Neste
caso, a Jerónimo continua a pagar o mesmo IRC em Portugal (e na
Polónia); o seu accionista de controlo, a "holding" da família Soares
dos Santos, transferiu-se para a Holanda. Por ter mais de 10% da
Jerónimo, essa "holding" não pagava cá imposto sobre os dividendos e
continuará a não pagar lá. Já quando essa "holding" paga aos membros da
família, cada um pagaria 25% de IRS cá - e pagará 25% lá. Com uma
diferença: 10% são para a Holanda, 15% para Portugal. Porque tomou a
família uma decisão que, sendo neutra para si, prejudica o Estado
português? Pela estabilidade e eficácia fiscal de lá, que bate a
portuguesa. Pelo acesso a financiamento, impossível cá. E porque a
família tem planos de crescimento que não incluem Portugal. Aqueles que
se escandalizaram ontem deviam ter-se comovido também quando, há um par
de meses (como aqui foi escrito), a Jerónimo anunciou como iria investir
800 milhões de euros em 2012: 400 milhões da Colômbia, 300 na
Polónia... e 100 milhões em Portugal. Isto sim, é sair de Portugal. E
quando a Jerónimo investir na Colômbia, provavelmente vai fazê-lo também
através da Holanda, onde se paga menos. Estes são problemas diferentes
dos que ontem foram enunciados: a falta de atracção de investimento de
Portugal; e a instabilidade fiscal, que muda leis como quem muda de
camisa, afastando o capital. A família Espírito Santo tem sede no
Luxemburgo. Belmiro lançou a OPA à PT a partir da Holanda. O
investimento estrangeiro é feito de fora. Isabel dos Santos investe na
Zon a partir de Malta. Queiroz Pereira tem os activos estrangeiros
separados de Portugal. António Mota desabafava há dias que pode ter de
criar uma sede fora de Portugal só para que a banca lhe empreste
dinheiro. E a família Soares dos Santos tem um plano que não nos contou
mas que ainda nos vai surpreender - feito com bancos estrangeiros e a
partir da Holanda, que é uma plataforma fiscal mais favorável à
internacionalização para fora do espaço europeu, uma vez que não há
dupla tributação da Holanda para e do resto do mundo. O que custa a
engolir não é que Soares dos Santos tenha cortado o passado com
Portugal, esse mantém-no e continua a pagar impostos. É que tenha
cortado o futuro. É que tenha decidido investir fora daqui porque aqui
não tem por onde crescer, para procurar lucros fora de Portugal, criar
postos de trabalho fora de Portugal e, então sim, pagar impostos desse
futuro fora de Portugal. Pensando bem, esse é um grande problema e é um
problema nosso. Mas investir fora do País não é traição. É apenas
desistir dele. E a Jerónimo já partiu para a Polónia há muitos, muitos
anos - ou ninguém reparou?
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