sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Relembrar a figura do Padre Julião Valente

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Ficará como o 2º pároco que mais anos paroquiou a freguesia, 49 anos como abade residente (com interregno entre 1971-72), a seguir ao velhinho Jerónimo Lopes, que paroquiou 51 anos, por isso a 2 anos de ultrapassar esta longevidade. O padre Julião será para sempre recordado como uma figura impar, que tem tanto de polémico como de conciliador, como todo o ser humano não foi perfeito, estando ligado a obras que por sua iniciativa e envolvimento engrandeceram esta terra e a algumas que foram mal interpretadas, como ele humildemente reconheceu que errou. Por diversas vezes conversei na sua residência e troquei ideias com o mesmo. Em todas reconheço do seu conhecimento na cultura, por isso tenho de tirar o chapéu, pois foi sempre impecável, atencioso, conversador e em muitas ocasiões abriu–se e confidenciou da admiração que tinha por esta terra e suas gentes.
Nos anos 80 convidei-o a entrevistá-lo na extinta Rádio Popular de Gaia. Durante a viagem, de ida e volta, como durante a dita entrevista, aceitou todas as perguntas como até confidenciou que haveria algumas que gostaria de ter respondido, deixando-me boquiaberto em algumas fases, pois tinha uma ideia diferente sobre a sua pessoa. Como homenagem sincera e sem hipocrisia, vou transcrevê-la na integra, como tinha sido a sua vontade que o fizesse depois da sua morte:
- Como nasceu a ideia para o sacerdócio?
- O meu desejo desde pequeno era ser professor de línguas, mas por intermédio de pessoas muito ligadas à minha família converti-me.
- Como sabe, tenho um tio padre e nenhum familiar seguiu seus passos; estava destinado que o seria?
- Como sabes, vocação significa chamamento. É DEUS que chama, escolhe no seu rebanho os apóstolos da sua palavra, e senti que seria um deles. Já tinha um Tio Cónego, Julião, um irmão sacerdote, António, e sendo duma família cristã, foi apelativa. Mas seria o padre Laranjeira o que me converteria, sendo os seus conselhos, santos e incisivos; ligou-me ao sacerdócio. Foi neste jardim que nasceu a minha vocação.
- A sua formação foi normal como qualquer jovem?
- Sim, comecei a estudar na escola da minha terra, fiz o ensino básico e por indicação dos meus superiores, entrei no colégio dos Carvalhos em 1935, que era considerado o melhor colégio do norte, com o saudoso padre Moreira, onde tirei formação. Transitei depois para o Seminário Vilar, onde fiz curso equiparado ao dos Liceus, acrescentando o latim, grego e hebraico. Aos 19 anos decidi seguir o sacerdócio, como meta da minha vida. Entrei para o Seminário da Sé, para cursar filosofia e teologia. Era o tempo da guerra, passou-se muita fome e os jardins semeados em campos de batata. Entretanto adoeci e fui–me curar durante um ano para a casa de uma tia, pois a minha mãe falecera quando tinha 19 anos. Durante os anos que tive férias escolares, dei no duro a trabalhar ao lado dos jornaleiros, a colher e a malhar o milho, factores que me tornaram em homem e dar valor à vida.
- E como sacerdote?
- Em 17 de Dezembro de 1949 dei o sim. Fui ordenado na Sé do Porto e fui rezar a primeira missa a Fátima, na Capela das Aparições. E fi-lo pois tinha prometido a N. Sra. de Fátima que se me curasse e chegasse a padre, a primeira missa seria lá. Fi-lo contra a vontade do meu tio Cónego, que pretendia que o fizesse em Espinho. Finalmente a Missa Nova seria realidade a 6 de Janeiro de 1950, na minha terra natal, Loureiro, onde um povo em festa recebeu-me como ilustre filho da terra.
- Até chegar a Paços de Brandão, por onde andou?
- Depois da missa nova continuei em Loureiro auxiliando o Padre Laranjeira, muito meu amigo. Sentia-me tão bem na minha terra, quando em Junho de 1950, o bispo D. Agostinho indigitou-me para paroquiar uma pequena freguesia, Macinhata da Seixa, perto de Lassalete, onde estive 12 anos.
- E como veio cá parar?
- Sentia-me bem em Macinhata, terra que gostava e amava, mas um dia recebi uma carta de D. Florentino, apontando esta terra como destino, envolvida em reboliço e que não conhecia. Estava visto que o meu tempo de sossego terminara e que um enigma me esperava. Eu recusei mais do que pude, mas o destino me dizia que esta seria a minha aventura. Esta seria reforçada, porque entretanto recebera umas cartas de ameaças, que se viesse para cá me matariam. Depois de muitas pressões do Bispo e com a maestria do Abade de Rio Meão, Joaquim Lamas, que já paroquiara a mesma, sempre fiquei menos medroso e aceitei o desafio. Vim ficar a Rio Meão na noite e na manhã seguinte entrei na sacristia da Igreja de Paços de Brandão, à espera da minha primeira porrada. E devia ter visto a cara dos paroquianos quando disse: "Sou o vosso novo Abade." Antes que falassem reforçei a minha posição e ninguém me fez mal; esse dia guardo-o no coração: 29 de Outubro de 1961.
- Sentiu apoio dos paroquianos?
- Os primeiros tempos foram complicados, pois tive de me bater com algumas forças, mas aos poucos fui sendo aceite, os que não me aceitaram foram correctos e a maioria ficaram satisfeitos com o novo abade. Tornei-me mais respeitado a partir do momento que comecei a fazer obras e a dizer pró que vinha: fiz reformas na Igreja, construí a residência paroquial, construí uma creche no antigo salão, apetrechei o mesmo com salas para catequese, que não havia pois as mesmas eram em casa de particulares, lançando obra na restauração do salão paroquial, construindo no cimo uma sala de convívio para a juventude. Não foi fácil porque a Tuna local tinha como sua sede e café nos baixos do salão, e tiveram de sair contrariados, deixando mossas entre a minha pessoa e os directores. Era obra necessária e custou-me fazê-la.
- E foi acusado que era contra a tuna?
- Não é verdade, pois senti sempre orgulho na terra que tivesse uma tuna, até eu próprio aprendi a tocar violino, mas as coisas foram difíceis, entre eles estava o teu Pai, que é pessoa que admiro e respeito, mas as coisas extremaram e acabou como tal.
- Qual a verdadeira obra que sonha acabar ?
- A reconstrução da Igreja, alargá-la, torná-la mais cómoda, restaurar as pinturas do tecto; depois reconstruir um novo salão, alargar o cemitério e construir uma capela mortuária. Tenho o apoio das quermesses, das confrarias, das associações, das pessoas importantes da terra, do povo mais humilde que é cristão, de vários ministérios como catequistas, acólitos, etc. Este será o meu sonho e será OBRA de todos e não minha.
- Como têm sido as relações com os padres naturais desta freguesia?
- Esta terra foi terra de sacerdotes, continua a sê-lo em dia com os padres: Sá Couto, Joaquim Correia, Dr. Amorim, Antero, entre outros, geração abençoada por Deus. Ultimamente não têm sido ordenados padres, mas é terra de crentes e ligados à igreja.
- E como repto final, o que gostaria de dizer aos seus paroquianos?
- Sinto-me honrado de ter vindo para esta paróquia, que já sinto como minha. Gostaria de cá morrer e cá ficar. Cheguei de noite e quero partir de noite, para que passe como uma simples sombra. Mais não fiz do que cumprir o que prometi a Deus e servir os homens.
(RÁDIO POPULAR DE GAIA, 22 DE ABRIL DE 1984)

Paz à sua alma e respeitosamente peço-lhe a sua bênção e que DEUS cumpra com a sua parte, juntando-lhe aos que cumpriram com a sua MISSÃO…

ATÉ UM SEMPRE, AMIGO JULIÃO ….


Bardo da Lira

2 comentários:

  1. Este poste é de uma singularidade e grandeza ímpar. Afinal por cá parece que aquilo que anda mal por vezes são os próprios comentadores que sujam aqui e ali o conteúdo do sitio.
    Gostei imenso deste tipo de homenagem.

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  2. parabéns Eduardo. Aqui está a diferença entre grandeza e pequenês: saber apreciar,ver e puxar pelas coisas boas mas sem deixar de ser-se crítico e interventivo.

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