quarta-feira, 28 de novembro de 2012

CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DA PARÓQUIA DE SÃO CIPRIANO DE PAÇOS DE BRANDÃO - 3



Por: Carlos Varela

                        DO PALATIOLO  AO  PAÇOO




Em as «VILLAS» do Norte de Portugal encontra-se uma descrição, deveras interessante, e que nos leva a ter uma melhor percepção, do que era, no tempo dos Romanos, um «palatium»: - «Com o seu terreno fresco e abundante de nascentes, era uma pequena propriedade, regulando por 60 hectares, repartidos agora por quatro casais de lavoura e cinco cabanas. Uma gleba denominada – campo de paço (palatium), está a revelar a sua organização romana; nele esteve a villa urbana, a antiga habitação do dominus, do primeiro proprietário deste prédio».

Foi a vivendas, semelhantes à descrita, que eram térreas, a que o povo chamou palatium (paço), menos pela aparência grandiosa que não tinham, mas por estar nela a administração de seu pequeno mundo e aí residir o dominus, quase o seu soberano.
Uma vez porém que a villa urbana por força havia de ter existido, visto ser um elemento essencial da ordem no regime romano e visigótico, a sua denominação própria, aparece-nos fixado na toponímia, encontramos já no ano de 747, em documentos da Galiza, um nome comum antigo – palatium, cuja significação se adapta a essa vivenda dominical – Palatio – Palatii – e em nossos documentos como – villa palatiolo  (ano de 922, 924 …) – palatio (ano de 950). Esta palavra foi de prática seguida e prolongada, sem o que não se teria gravado no onomástico local, contendo uma noção de autoridade ou de governo, adoptou-a aqui o povo no tempo romano para exprimir a habitação do proprietário , pois era este realmente quem governava todos os habitantes da «villa»; do mesmo modo então ela se chamava também «praetorium», cujo sentido no fundo é quase idêntico.

Em “OPUSCULOS”, Volume I – FILOLOGIA  (Pgs. 546 a 550), de J. Leite de Vasconcellos, Coimbra 1928 – Imprensa da Universidade, encontramos elementos para a história da palavra PALATIUM, que em parte vou transcrever:

«Ás vezes por motivos fonéticos e históricos as palavram experimentam, no decorrer dos séculos, transmudamentos curiosos, acontecendo que de uma que a princípio tinha certa forma e significado resulta, após muito tempo, outra ou outras muito diversas da primeira. Vou dar um exemplo.

Dos sete montes em que Roma fôra edificada, ou Septimontium, um chamava-se, como é sabido, Palatium, denominação talvez proveniente, como quer o Dºr. Walde, de palus, «estaca»: do que poderemos concluir que aí teria havido em data antiquíssima uma «estacada» ou «estacaria», defesa militar, que muitas vezes se observa em povos de carácter primitivo. No Palatium estabeleceu o Imperador Augusto a sua habitação, o que os sucessores continuaram fazendo. Disto veio o dar-se ao edifício o nome do sítio, e tornar-se palatium nome comum na acepção de «morada de monarca».

«…Este fenómeno que, aplicado individualmente ao estilo, os retóricos chamam metonímia, é muito corrente na língua moderna, e basta abrir um dicionário para encontrar, por exemplo: madeira, em vez de vinho produzido na Ilha da Madeira, etc.

Palatium tinha o adjectivo palatinus, por exemplo, colles platini. Este adjectivo aplicou-se naturalmente à morada imperial e à côrte: domus palatina ou «palácio imperial»; palatinus «dignitário do palácio», «cortesão». Este sentido de nobreza transparece no comes palatinus ou «conde palatino» dos antigos estados germânicos. Os Italianos, alterando um pouco a ideia, fizeram daqui paladino, no sentido de «herói cavaleiresco», e a palavra passou a França na forma de paladin, para a Espanha na de paladin, e para Portugal na de paladino, que tem a par também paladim.

O latim palatinus seguiu ainda outro caminho, passando à classe de cognome (romano), que com o andar do tempo veio a ser verdadeiro nome próprio. Nesse significado temos em documentos nossos do século XI Paladinu, a que correspondem os patronímicos Paladinici e Paladiniz. De Palatinu, como nome de donos de propriedades, veio Paadinho, hoje Padinho, que decerto se pronuncia pàdinho, nome de duas povoações nos concelhos de Fafe e Guimarães. No feminino há o moderno apelido da família Padinha, que sei se pronuncia padinha. Do genitivo Paladini, em compostos como villa Paladini, segundo um tipo muito usual na idade média, veio Paadim, que aparece no século XIII; e por último Pádim ou Pàdim, nome de seis lugares no Minho. Comparáveis a Palatinus, na qualidade de cognome romano, temos na nossa língua actual, pelo menos no aspecto externo, os apelidos Cortesão e Côrte – Real.

Voltemos a palatium, substantivo comum. Palatium designou na Idade Média, como tradição romana, a habitação do proprietário de um terreno: donde, por intermédio de paaço, que ainda existia no século XIV, vieram Paço e Paços, como nomes geográficos muito espalhados por todo o Portugal, com especialidade no Norte e Centro ou Beira, regiões em que a palavra teve seu berço. A Paço e Paços se ligam os diminutivos geográficos Pacinho e Pacinhos. Outro diminutivo geográfico é Pàçô, igualmente muito usado no Norte e no Centro, o qual, por intermédio das formas medievais (geográficas) Palatiolo, Palaciolo, ou melhor Paacioo, Paaçoo, provém directamente de palatiolum, à letra, «palácio pequeno», pronunciado no latim vulgar palatiólu.

Em alguns dos citados exemplos notámos que muitos nomes de povoações provêm de nomes próprios de indivíduos. Entenda-se que estes eram senhores de quintas, «villas», etc., que no decurso das idades aumentaram de moradores, e se tornaram aldeias e maiores povoações. Ás vezes acontece que os mesmos nomes geográficos passam a significar nomes pessoais: quantos apelidos não há, que soam Paço e Paços?…É possível que os apelidos  que se escrevem Passos, com dois ss, pertençam, em parte, à classe que estou estudando, embora alguns possam provir de ideias religiosas, isto é, de Senhor dos Passos, como Ascenção, etc.

Além da significação de habitação de um senhor ou proprietário, paço, ou o latinismo palácio, conserva a anterior tradição romana de «habitação de monarca». A todo o instante falam os nossos textos medievais de palatium Domini Regis, por exemplo mas Leges, p. 694, de 1260. Paralelamente a paço e palácio real temos paço episcopal, paços do concelho, e como nome próprio em Lisboa Terreiro do Paço, por paço de Governo.

Na língua usual chamamos por isso palácio a um edifício grande. Com paço real se relacionam os adjectivos arcaicos pàceiro e paaceiro  (títulos de cargos), e palaciano, forma restaurada da medieval pação, latim palatinus. É notável que assim como palatinus se tornou nome próprio, também palatianus. Os documentos medievais de Portugal têm Paaciano e Paaciana, como nomes geográficos do século XIII, provenientes de nomes de proprietários: o segundo está ainda hoje representando em Paçam, por Pàçam, ou Pàçã, nome de um lugar na Beira Alta.

E assim termino, pois me parece que fica justificada a afirmação que comecei por fazer: que as palavras têm muitas vicissitudes. No caso presente vimos que as estacas secas que constituíam a primitiva paliçada que foi Roma reverdeceram pujantemente, dando vergônteas que se tornaram, ora nomes de domicílios principescos, e símbolos de aventura, ora designações de pessoas e de localidades. Tão alto pôde subir a ramificação, que por palácio ou paço celeste entendem os crentes a morada de Deus, e já os pagãos diziam palácio de Jove!» 

Em conclusão ao que ficou dito da evolução e história da palavra que começou por designar uma paliçada e acabou Paço Real, resta-me apresentar as datas e documentos em que tal se passou, na Idade Média, ao nosso «PAÇOS» .

   Data                              documento                                       denominação
    773 (?)              Diplomata et Chartae – Doc. I        (a)  VILLA PALACIOLO
    992                   Idem                            - Doc. XXV         PALATIOLO
  1025                   Idem                            - Doc.CCLVII     PALACIOLO     
  1134                   Baio-Ferrado  (b)         - Doc.206          PALATIOLO
  1135                   Idem                            - Doc.209          VILLA PALATIOLO
  1137                   Idem                            - Doc.207          PALATIOLO
  1141                   Idem                            - Doc.210          VILLA PALATIOLO
  1146                  Ordre du Temple (c)     - Doc.CCCCIII   PALATIOLO
  1159                  Baio-Ferrado                - Doc.211          K(arta)PALACIOLO 

(a) – Além da data referente ao ano de 773 levantar algumas dúvidas, também a referência à «Villa Palaciolo» que lá se encontra, poderá não dizer respeito à nossa terra de São Cipriano de Paços de Brandão, no entanto é de notar que já naquela data e, a Sul do Rio Douro, tal denominação já se encontrava assinalada.   
(b) – Le Cartulaire BAIO – FERRADO du Monastère de Grijó  - Introduction et Notes de Robert Durand – Fundação Calouste Gulbenkian (CCP) – Paris 1971.
(c) – Cartulaire Générale de L´Ordre du Temple.

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