Por:
Carlos Varela
DO
PALATIOLO AO PAÇOO
Em as «VILLAS» do Norte de Portugal encontra-se uma descrição, deveras interessante, e que nos leva a ter uma melhor percepção, do que era, no tempo dos Romanos, um «palatium»: - «Com o seu terreno fresco e abundante de nascentes, era uma pequena propriedade, regulando por 60 hectares, repartidos agora por quatro casais de lavoura e cinco cabanas. Uma gleba denominada – campo de paço (palatium), está a revelar a sua organização romana; nele esteve a villa urbana, a antiga habitação do dominus, do primeiro proprietário deste prédio».
Foi a vivendas, semelhantes
à descrita, que eram térreas, a que o povo chamou palatium (paço), menos
pela aparência grandiosa que não tinham, mas por estar nela a administração de
seu pequeno mundo e aí residir o dominus, quase o seu soberano.
Uma vez porém que a villa
urbana por força havia de ter existido, visto ser um elemento essencial
da ordem no regime romano e visigótico, a sua denominação própria, aparece-nos
fixado na toponímia, encontramos já no ano de 747, em documentos da Galiza, um
nome comum antigo – palatium, cuja
significação se adapta a essa vivenda dominical – Palatio – Palatii – e em nossos documentos como – villa
palatiolo (ano de 922, 924 …) – palatio
(ano de 950). Esta palavra foi de prática seguida e prolongada, sem o
que não se teria gravado no onomástico local, contendo uma noção de autoridade
ou de governo, adoptou-a aqui o povo no tempo romano para exprimir a habitação
do proprietário , pois era este realmente quem governava todos os habitantes da
«villa»; do mesmo modo então ela se
chamava também «praetorium», cujo
sentido no fundo é quase idêntico.
Em “OPUSCULOS”, Volume I –
FILOLOGIA (Pgs. 546 a 550), de J. Leite
de Vasconcellos, Coimbra 1928 – Imprensa da Universidade, encontramos elementos
para a história da palavra PALATIUM, que em parte vou
transcrever:
«Ás vezes por motivos
fonéticos e históricos as palavram experimentam, no decorrer dos séculos,
transmudamentos curiosos, acontecendo que de uma que a princípio tinha certa
forma e significado resulta, após muito tempo, outra ou outras muito diversas
da primeira. Vou dar um exemplo.
Dos sete montes em que
Roma fôra edificada, ou Septimontium,
um chamava-se, como é sabido, Palatium,
denominação talvez proveniente, como quer o Dºr. Walde, de palus, «estaca»: do que poderemos concluir que aí teria havido em
data antiquíssima uma «estacada» ou «estacaria», defesa militar, que muitas
vezes se observa em povos de carácter primitivo. No Palatium estabeleceu o Imperador Augusto a sua habitação, o que os
sucessores continuaram fazendo. Disto veio o dar-se ao edifício o nome do
sítio, e tornar-se palatium nome
comum na acepção de «morada de monarca».
«…Este fenómeno que,
aplicado individualmente ao estilo, os retóricos chamam metonímia, é muito corrente na língua moderna, e basta abrir um
dicionário para encontrar, por exemplo: madeira, em vez de vinho produzido na
Ilha da Madeira, etc.
Palatium
tinha o adjectivo palatinus, por
exemplo, colles platini. Este
adjectivo aplicou-se naturalmente à morada imperial e à côrte: domus palatina ou «palácio imperial»; palatinus «dignitário do palácio»,
«cortesão». Este sentido de nobreza transparece no comes palatinus ou «conde palatino» dos antigos estados germânicos.
Os Italianos, alterando um pouco a ideia, fizeram daqui paladino, no sentido de «herói cavaleiresco», e a palavra passou a
França na forma de paladin, para a
Espanha na de paladin, e para
Portugal na de paladino, que tem a
par também paladim.
O latim palatinus seguiu ainda outro caminho,
passando à classe de cognome (romano), que com o andar do tempo veio a ser
verdadeiro nome próprio. Nesse significado temos em documentos nossos do século
XI Paladinu, a que correspondem os
patronímicos Paladinici e Paladiniz.
De Palatinu, como nome de donos de
propriedades, veio Paadinho, hoje Padinho, que decerto se pronuncia pàdinho, nome de duas povoações nos
concelhos de Fafe e Guimarães. No feminino há o moderno apelido da família Padinha, que sei se pronuncia padinha. Do genitivo Paladini, em compostos como villa Paladini, segundo um tipo muito
usual na idade média, veio Paadim,
que aparece no século XIII; e por último Pádim
ou Pàdim, nome de seis lugares no Minho. Comparáveis a Palatinus, na qualidade de cognome romano, temos na nossa língua
actual, pelo menos no aspecto externo, os apelidos Cortesão e Côrte – Real.
Voltemos a palatium, substantivo comum. Palatium designou na Idade Média, como
tradição romana, a habitação do proprietário de um terreno: donde, por intermédio
de paaço, que ainda existia no
século XIV, vieram Paço e Paços,
como nomes geográficos muito espalhados por todo o Portugal, com especialidade
no Norte e Centro ou Beira, regiões em que a palavra teve seu berço. A Paço e Paços se ligam os diminutivos
geográficos Pacinho e Pacinhos. Outro
diminutivo geográfico é Pàçô,
igualmente muito usado no Norte e no Centro, o qual, por intermédio das formas
medievais (geográficas) Palatiolo,
Palaciolo, ou melhor Paacioo, Paaçoo,
provém directamente de palatiolum, à
letra, «palácio pequeno», pronunciado
no latim vulgar palatiólu.
Em alguns dos citados
exemplos notámos que muitos nomes de povoações provêm de nomes próprios de
indivíduos. Entenda-se que estes eram senhores de quintas, «villas», etc., que
no decurso das idades aumentaram de moradores, e se tornaram aldeias e maiores
povoações. Ás vezes acontece que os mesmos nomes geográficos passam a
significar nomes pessoais: quantos apelidos não há, que soam Paço e Paços?…É
possível que os apelidos que se escrevem
Passos, com dois ss, pertençam, em parte, à classe que estou estudando, embora
alguns possam provir de ideias religiosas, isto é, de Senhor dos Passos, como
Ascenção, etc.
Além da significação de
habitação de um senhor ou proprietário, paço,
ou o latinismo palácio, conserva a
anterior tradição romana de «habitação de monarca». A todo o instante falam os
nossos textos medievais de palatium
Domini Regis, por exemplo mas Leges, p. 694, de 1260. Paralelamente a paço e palácio real temos paço episcopal, paços do concelho, e
como nome próprio em Lisboa Terreiro do Paço, por paço de Governo.
Na língua usual chamamos
por isso palácio a um edifício
grande. Com paço real se relacionam
os adjectivos arcaicos pàceiro e
paaceiro (títulos de cargos), e palaciano, forma restaurada da medieval
pação, latim palatinus. É notável
que assim como palatinus se tornou
nome próprio, também palatianus. Os
documentos medievais de Portugal têm Paaciano
e Paaciana, como nomes geográficos do século XIII, provenientes de nomes de
proprietários: o segundo está ainda hoje representando em Paçam, por Pàçam, ou Pàçã, nome de um lugar na Beira Alta.
E assim termino, pois me
parece que fica justificada a afirmação que comecei por fazer: que as palavras
têm muitas vicissitudes. No caso presente vimos que as estacas secas que
constituíam a primitiva paliçada que foi Roma reverdeceram pujantemente, dando
vergônteas que se tornaram, ora nomes de domicílios principescos, e símbolos de
aventura, ora designações de pessoas e de localidades. Tão alto pôde subir a
ramificação, que por palácio ou paço celeste entendem os crentes a morada de
Deus, e já os pagãos diziam palácio de
Jove!»
Em conclusão ao que ficou
dito da evolução e história da palavra que começou por designar uma paliçada e
acabou Paço Real, resta-me apresentar as datas e documentos em que tal se
passou, na Idade Média, ao nosso «PAÇOS»
.
Data documento
denominação
773 (?) Diplomata et Chartae – Doc.
I (a) VILLA PALACIOLO
992 Idem - Doc. XXV PALATIOLO
1025 Idem - Doc.CCLVII PALACIOLO
1134 Baio-Ferrado (b)
- Doc.206 PALATIOLO
1135 Idem - Doc.209 VILLA PALATIOLO
1137 Idem - Doc.207 PALATIOLO
1141 Idem - Doc.210 VILLA PALATIOLO
1146 Ordre du Temple (c) - Doc.CCCCIII PALATIOLO
1159 Baio-Ferrado - Doc.211 K(arta)PALACIOLO
(a) – Além da data referente
ao ano de 773 levantar algumas dúvidas, também a referência à «Villa Palaciolo»
que lá se encontra, poderá não dizer respeito à nossa terra de São Cipriano de
Paços de Brandão, no entanto é de notar que já naquela data e, a Sul do Rio
Douro, tal denominação já se encontrava assinalada.
(b) – Le Cartulaire BAIO –
FERRADO du Monastère de Grijó -
Introduction et Notes de Robert Durand – Fundação Calouste Gulbenkian (CCP) –
Paris 1971.
(c) – Cartulaire Générale de
L´Ordre du Temple.
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