sexta-feira, 10 de maio de 2013

Carlos Varela - O POEMA E O POETA FACE À LITERATURA






Muitos de nós, ao lerem qualquer poema ou livro de poesias, interrogam-se: o que é poesia, quando teve a sua origem no nosso território?...Nos artigos que vou publicar, terei a oportunidade de tentar dar uma resposta a essas interrogações. Neste artigo, e  recorrendo às lições proferidas no ano de 1963-1964 pelo Senhor Dr. Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “TEORIA DA LITERATURA” (Livraria Almedina – Coimbra / 1964)  vou levar ao vosso conhecimento o  enquadramento do poema, e do poeta, na literatura. É que a criação poética comporta diversidades profundas de autor para autor e de estética literária para estética literária, em função de elementos estritamente individuais e sobretudo de elementos de ordem supra-individual (modo de conceber o eu e a sua actividade, etc.) e temos de aceitar essas diversidades.

O poeta cria um objecto imaginário mediante frases autênticas imaginárias. Não comunica linguisticamente, a interpretação de um poema, não se identifica com a interpretação de um documento linguístico. O poema pode apresentar sábias aliterações, sugestões rítmicas, etc. Os aspectos sensíveis da palavra adquirem dimensões inéditas em lábios de poeta ou prosador: a palavra é tratada com a volúpia que se consagra a um rosto amado. A frase incerta num poema ou num romance significa imanentemente a sua própria situação comunicativa e o âmbito desta situação é meramente o âmbito do espírito.

A linguagem poética, pela sua função significante, tem sido muitas vezes, e com razão, apontada como o momento originário da vida do espírito. É o prazer decorrente da contemplação da beleza como o mais puro e elevado dos prazeres, a beleza é a província do poema. A obra literária verdadeira, que procura realizar a beleza e não mutila nem deforma preconcebidamente a realidade da vida, não colide com a moral, antes se encontra com ela num nível muito elevado. Não se deve pedir à mulher mais do que o prazer dos sentidos ou um prazer estético, por vezes o amor, pode aliciar o artista e comprometer irremediavelmente a sua obra. A literatura, sem se prostituir em contactos impuros, preservando a grandeza estremamente estética, oferecerá ao homem uma via luminosa de depuração das paixões e de libertação interior.

A arte de escrever é um refúgio que acolhe as almas eleitas, delicadas, consumidas por um supremo ideal de beleza e que foge da vulgaridade da vida. O poeta não dirige o seu poema a todos os homens, não procura captar, através de múltiplas complacências, a popularidade e os aplausos das massas: a sua altivez, fala apenas para um escol, para os raros capazes de entenderem e amarem a sua criação.

Toda a obra poética ou toda a obra de arte, tem de manter uma relação de semelhança com uma realidade natural já existente, porém esta teoria entrou em declínio, uma vez que se começou a dar uma crescente importância à personalidade do poeta no acto criador. O ideal poético deixa de constituir a imitação da natureza para se transformar na expressão dos sentimentos, dos desejos, das aspirações do poeta. O poema, de reflexo que era do real objectivo e externo, volve-se em fruto da interioridade do poeta, mediante um processo criador em que a imaginação assume relevância fundamental.

O poeta romântico, sabe que não é o único autor da sua obra, uma vez que aprendeu que toda a poesia é primeiramente o canto erguido dos abismos, procura deliberadamente e com toda a lucidez, provocar a ascensão das vozes misteriosas. Em Platão, o poeta é um “louco”, embora afectado por uma mania divina.
Se a observação das mais importantes figuras históricas do poeta vidente, do poeta inspirado, verificamos que todas elas reflectem a convicção de que no homem, e em especial no poeta, existe uma potencialidade criadora que transcende os dados normais da experiência humana e os valores da razão. Não deixa de ser curioso o que Edgar Poe nos diz: «a Beleza, que consiste numa voluptuosa elevação da alma, é o único domínio da poesia». Edgar Poe situa-se na origem de uma importante corrente do lirismo moderno que concebe a criação poética na estreita dependência das faculdades intelectuais.


Carlos Alberto Sequeira Varela 

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