Muitos de nós, ao lerem qualquer poema ou livro de poesias,
interrogam-se: o que é poesia, quando teve a sua origem no nosso
território?...Nos artigos que vou publicar, terei a oportunidade de tentar dar
uma resposta a essas interrogações. Neste artigo, e recorrendo às lições proferidas no ano de
1963-1964 pelo Senhor Dr. Vítor Manuel de Aguiar e Silva, “TEORIA DA
LITERATURA” (Livraria Almedina – Coimbra / 1964) vou levar ao vosso conhecimento o enquadramento do poema, e do poeta, na
literatura. É que a criação poética comporta diversidades profundas de autor
para autor e de estética literária para estética literária, em função de
elementos estritamente individuais e sobretudo de elementos de ordem
supra-individual (modo de conceber o eu e a sua actividade, etc.) e temos de
aceitar essas diversidades.
O poeta cria um objecto imaginário mediante frases autênticas
imaginárias. Não comunica linguisticamente, a interpretação de um poema, não se
identifica com a interpretação de um documento linguístico. O poema pode
apresentar sábias aliterações, sugestões rítmicas, etc. Os aspectos sensíveis
da palavra adquirem dimensões inéditas em lábios de poeta ou prosador: a
palavra é tratada com a volúpia que se consagra a um rosto amado. A frase
incerta num poema ou num romance significa imanentemente a sua própria situação
comunicativa e o âmbito desta situação é meramente o âmbito do espírito.
A linguagem poética, pela sua função significante, tem sido
muitas vezes, e com razão, apontada como o momento originário da vida do
espírito. É o prazer decorrente da contemplação da beleza como o mais puro e
elevado dos prazeres, a beleza é a província do poema. A obra literária
verdadeira, que procura realizar a beleza e não mutila nem deforma preconcebidamente
a realidade da vida, não colide com a moral, antes se encontra com ela num
nível muito elevado. Não se deve pedir à mulher mais do que o prazer dos
sentidos ou um prazer estético, por vezes o amor, pode aliciar o artista e
comprometer irremediavelmente a sua obra. A literatura, sem se prostituir em
contactos impuros, preservando a grandeza estremamente estética, oferecerá ao
homem uma via luminosa de depuração das paixões e de libertação interior.
A arte de escrever é um refúgio que acolhe as almas eleitas,
delicadas, consumidas por um supremo ideal de beleza e que foge da vulgaridade
da vida. O poeta não dirige o seu poema a todos os homens, não procura captar,
através de múltiplas complacências, a popularidade e os aplausos das massas: a
sua altivez, fala apenas para um escol, para os raros capazes de entenderem e
amarem a sua criação.
Toda a obra poética ou toda a obra de arte, tem de manter uma
relação de semelhança com uma realidade natural já existente, porém esta teoria
entrou em declínio, uma vez que se começou a dar uma crescente importância à
personalidade do poeta no acto criador. O ideal poético deixa de constituir a
imitação da natureza para se transformar na expressão dos sentimentos, dos
desejos, das aspirações do poeta. O poema, de reflexo que era do real objectivo
e externo, volve-se em fruto da interioridade do poeta, mediante um processo
criador em que a imaginação assume relevância fundamental.
O poeta romântico, sabe que não é o único autor da sua obra,
uma vez que aprendeu que toda a poesia é primeiramente o canto erguido dos
abismos, procura deliberadamente e com toda a lucidez, provocar a ascensão das
vozes misteriosas. Em Platão, o poeta é um “louco”, embora afectado por uma
mania divina.
Se a observação das mais importantes figuras históricas do
poeta vidente, do poeta inspirado, verificamos que todas elas reflectem a
convicção de que no homem, e em especial no poeta, existe uma potencialidade
criadora que transcende os dados normais da experiência humana e os valores da
razão. Não deixa de ser curioso o que Edgar Poe nos diz: «a Beleza, que
consiste numa voluptuosa elevação da alma, é o único domínio da poesia». Edgar
Poe situa-se na origem de uma importante corrente do lirismo moderno que
concebe a criação poética na estreita dependência das faculdades intelectuais.
Carlos Alberto Sequeira Varela
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