A viagem chega hoje ao fim e, no fundo, foram 12 dias de pura adrenalina, com um pouco de cansaço, mas nada substituiu o que por todos foi sentido; foram tribunais públicos, as alcoviteiras e alcoites, as vendedeiras do mercado, o vendedor de Aires da montanha e mezinhas, a vendedora de cornos, a feiticeira, as leituras de pregão, as arruadas pelas ruas de Santa Maria com a carroça dos presos, os vadios, as gazuas, os bêbados, os pedintes etc., etc. Foram noites de autenticidade envolventes entre público e actores, tudo em harmonia contagiante, que irão ficar na história das Viagens, onde o talento de Carlos Reis fica bastante alto e receita-se… Estou feito em frangalhos mas tornaria a fazer as mesmas diabruras, os mesmos pregões e praguedos, inserido numa equipa de 40 pessoas, que deram o melhor que tinham e fizeram-no bem …
Para memória futura deixo alguns pregões e até um dia:
AS ALCOVITEIRAS:
MULHER 1
Vizinha! Oh vizinha, tendes de vir à minha porta! Tenho lá uma obra de arte! É assim um bocado para o torto, tendes de ter cuidado a pegar, porque senão parte!
MULHER 2
Jurais por S. Sebastião?
MULHER 1
Juro pela alma do meu irmão que Deus lá tem! Vossa mercê fica ou vem?
MULHER 2
Já que insistíeis tanto
MULHER 1
Ireis ver... é mesmo um espanto
MULHER 2
Vamos lá ver a peça tal! Parece que nunca se viu igual! Onde está ela... Essa peça assim tão bela?!
MULHER 1
Aí mesmo no chão
MULHER 2
Mas isto é caca de cão!
MULHER 1
Sim... mas tendes de ter cuidado ao pôr a mão, que isso pode esfarelar! É que ainda não está bem dura foi cagada há pouco tempo parece estar pronta para vossa mercê moldar! Se estivesse mais calor e um pouco de vento já tínheis pronta a escultura!
MULHER 2
Estais louca ou zombais com minha pessoa?
MULHER 1
Não, não mulher! Estou de mente boa! Só vos queria dar uma lição! Vós deixastes á solta o vosso cão e ele andou a passear e a cagar. Até o fez aqui à porta do meu lar!
MULHER 2
Não se zomba assim com uma dama
MULHER 1
Não deixásseis à solta o vosso animal! Que não torne a acontecer!
MULHER 2
Prendei vós o vosso marido à cama! Ele é que se anda a portar mal!
MULHER 1
Que dizeis, que estais a dizer?
MULHER 2
Digo que o vosso marido anda a fornicar e não é com a esposa do seu lar!
MULHER 1
Vamos já tirar isto a limpo tal mentira não consinto! Onde esta essa cadela?!
MULHER 2
Não sei, podemos ir à procura dela! Olhe, lá está ela...!
MULHER 1
Com que então sois vós cobra peçonhenta com o meu marido me andava a enganar! Ai que eu parto-lhe a benta, e parto a benta a vós também não sois filha da tua mãe, não sois filha de ninguém!
MULHER 3
Quem sois vós para assim me tratar?
MULHER 1
A mulher do marido com que andastes a fornicar
MULHER 3
Ah é vossa mercê a cornuda sorridente!
BATOTEIRO DOS DADOS CHUMBADOS OU FALSOS
SEBASTIÃO FERREIRA
Com que então fostes vós o galego cão que me quis atraiçoar!
Tentastes a mim enganar mesmo por baixo do meu nariz!
TOMÁS TADEU (BATOTEIRO)
Que dizeis! Quem sois vós homem petiz?!
SEBASTIÃO FERREIRA
Sebastião Ferreira! Homem honesto das terras da feira. E vós fi de puta de sandeu?!
TOMÁS TADEU (BATOTEIRO)
Me chamo Tadeu, Tomaz Tadeu. E quem pensai que sois pra me tratar de tal maneira?
SEBASTIÃO FERREIRA
Calais-vos cornudo boi, chegai-vos cã a beira e batei-vos com lealdade
TOMÁS TADEU (BATOTEIRO)
Vossos filhos irão perder a paternidade!
VENDEDOR DE AR E MEZINHAS
Mezinha para todos os males:
Eu te benzo eu te talho,
Com a ponta deste ramalho.
Dois peidos meus e dois do cão,
Vai-te embora que já estas são.
Remédio para a caganeira:
Mas que é isto? Mas que é isto?
Que é que te aperta o cu?
Um lagarto ou foste tu?
Tem uma grande disenteria,
Como quem diz, caganeira, e veja lá não se ria
Dessa maneira.
Eu te benzo eu te talho
Com raminho de oliveira
Dois peidos bem á maneira
E lá se vai a caganeira.
Bardo da Lira
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